Dois filmes que vi, há pouco, combinam com isso tudo. Um chama-se Side by side, de Christopher Kenneally, registro desse momento de mudança. Keanu Reeves, que também é produtor, entrevista cineastas importantes e usa sua experiência como ator para conversar sobre como filmamos e vemos filmes nesses novos tempos.
Side by side resulta num tiroteio de impressões dadas por artistas, muitas vezes usando a analogia do pintor, da tinta a óleo (35mm) e dos crayons (digital). David Lynch afirma que nunca mais voltará a filmar, enquanto Christopher Nolan diz: “Eu sempre tenho que me defender ao querer filmar, mas não vejo ninguém se defendendo ao querer rodar em digital”.
Os próprios termos usados no cinema parecem confusos nessa revolução: “filmar” e “rodar” dariam espaço para “gravar” e “digitalizar?” “Gravar” pegou no Brasil via programa promocional Vídeo Show da Globo, um termo usado para novelas. Hoje, jornalistas me perguntam sobre “as gravações” do meu filme, rodado em 35mm.
O outro filme que vi é curto, 25 minutos, ainda inédito, A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês, feito em Curitiba por Rafael Urban e Terence Keller. Me fez pensar sobre o tema aterrorizante da revolução digital no cinema atualmente, a questão da guarda de imagens, numa tecnologia que ainda não foi testada pelo tempo.
Esse filme (digital) é o registro sobre um arquivo. O personagem chama-se Max, um colecionador de livros, pinturas, cartazes e revistas. É um amante compulsivo das ideias documentadas em gráfica. Fala com igual paixão de uma dedicatória rabiscada que conseguiu em 1976, num vernissage, e de sua coleção de revistas Playboy.
Max é o apresentador do seu próprio arquivo. E, para cada peça guardada em estantes, ele tem uma história, uma associação, a lembrança de outras pessoas que já morreram. Cada objeto é um catalisador de memórias.
Talvez exista uma geração (como a minha) presa entre o analógico e o digital, aos valores de ter um objeto e de ter um arquivo transferido em algum espaço livre de disco. O arquivo de Max cabe todo em alguns bons HDs. De qualquer forma, fomos e somos seduzidos a ter coisas, algo que vai além do puro consumismo.
Numa tarde, há pouco tempo, deu vontade de ouvir música alta, com caixas de som. As minhas caixas têm 34 anos de idade. Fiz uma seleção com discos de vinil, CDs e arquivos MP3 vindos do celular. Na sequência caseira de DJ, naquela tarde, descobri que um CD de 1999, comprado novinho em loja, não toca mais, descascou e fica enganchando, mas que um disco de vinil de 1972 ainda soa poderoso, sem enganchar. Os MP3 novinhos tocaram bem.
Estou na faixa dos 40. Os sons daquelas músicas ouvidas à tarde, em vinil, CD ou MP3 geravam uma presença física na sala. A vibração da percussão e do baixo nas caixas de som não era virtual. Era físico, o som se chocava com a estrutura da casa, e fazia a parede vibrar.
KLEBER MENDONÇA FILHO, crítico e cineasta.