A princípio, muitos assuntos interessavam a Orwell. Há ensaios variados sobre esportes, o hábito de beber chá ou as especificidades da língua inglesa. Porém o que mais o fascinava eram os temas ligados a livros, escritores, a crítica ao colonialismo e a defesa do socialismo.
Em termos de estilo, praticava uma erudição sem ranços acadêmicos e baseava sua argumentação na experiência direta com os fatos. Num ensaio intitulado A política e a língua inglesa, de 1946, Orwell definiu regras para escrever que hoje são comuns em manuais de redação: nunca utilizar uma metáfora ou figura de linguagem já desgastada; nunca usar uma palavra longa onde uma curta for suficiente; nunca usar uma expressão estrangeira, científica, ou um jargão, quando houver um equivalente coloquial.
Foi o lado político o que mais marcou sua obra. Orwell se dizia socialista, mas percebeu, já nos anos 1930, o caráter totalitário da Revolução Russa e se tornou um adversário ferrenho do comunismo soviético liderado por Josef Stalin. Apesar de ter seus argumentos usados pelos conservadores de direita para fustigar a esquerda, Orwell se dizia um “socialista democrático”. Arriscando-se a perder amigos, mas não perdendo a piada, classificou-se como um tory anarchist, um anarquista conservador.
Ele ressaltava que seu objetivo era denunciar os desvios do socialismo soviético, fazendo uma crítica pela ótica da esquerda. É curioso que o romance 1984 tenha sido escrito em 1948, oito anos antes do discurso de Nikita Khruchov que denunciou o regime de Stalin.
Foi inevitável que a imagem de Orwell ficasse atrelada aos seus dois maiores sucessos: o livro A revolução dos bichos, no qual ironiza os desvios do socialismo soviético, e o romance 1984 – uma assustadora denúncia sobre o totalitarismo. Nesta obra, já traduzida para mais de 60 línguas e atualíssima por motivos diferentes dos imaginados pelo autor na década de 1940, foram introduzidas expressões como big brother(grande irmão) e newspeak (novilíngua). A novilíngua imaginada pelo autor, por sua vez, trazia um reduzido vocabulário com termos usados no totalitarismo que ainda hoje é motivo de análises linguísticas. Lá estão neologismos como doublethink (duplipensar), unperson (impessoa) e thoughtcrime (crimideia). Atribui-se ao autor o uso pioneiro da expressão cold war (guerra fria).
Anos antes do lançamento dos dois romances, porém, os artigos de George Orwell já vinham indicando suas posições políticas. Foi no norte da Inglaterra, observando a condição da classe trabalhadora nos anos 1930, que ele aderiu ao socialismo – processo retratado em O caminho para Wigan Pier.
O momento de definição política acabou sendo durante a Guerra Civil Espanhola, na qual Orwell lutou, em 1937, quase foi morto por fascistas, e acabou perseguido por comunistas ortodoxos: “O que eu vi na Espanha e o que tenho visto nas maquinações dos partidos políticos de esquerda me deram horror à política. Eu sou, com toda certeza, de esquerda, mas acredito que um escritor só pode permanecer honesto mantendo-se longe de rótulos políticos”, escreveu.
Orwell deixou seis romances, três livros baseados em experiências reais, poemas e um vasto acervo de artigos, ensaios e resenhas. Depois dele, a prosa culta e inteligente na imprensa não seria mais a mesma. Ele mesmo resumiu: “O que eu mais desejava era transformar o texto sobre política numa forma de arte”.
Em 1947, em um ensaio sobre o russo Liev Tolstoi, Orwell escreveu que não há argumentos para defender a qualidade de um poema. “Ele (o poema) se defende sozinho ao sobreviver, ou então é indefensável”, afirmou. O mesmo poderia ser dito para avaliar a obra de Orwell, hoje, que vem sobrevivendo muito bem à passagem do tempo.
MARCELO ABREU, jornalista e autor de livros-reportagem e de viagem, como De Londres a Kathmandu.