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A que mundo nós pertencemos?

TEXTO Ronaldo Correia de Brito

01 de Junho de 2013

Colagem Karina Freitas

Há um esforço louvável de várias instituições brasileiras para colocar nossa literatura no mundo. Em 2012, o Brasil foi o país homenageado na Feira de Bogotá e teve uma participação especial em Guadalajara. Neste ano, será a vez da Feira de Frankfurt, o maior evento de livros do planeta. E já se trabalha de olho em Bolonha 2014 e Paris 2015.

Mudou alguma coisa para as pessoas se interessarem pelo que escrevemos? Será que deixamos de ser o país do futebol, agora que ocupamos o insignificante 19º lugar no ranking da Fifa? Viramos uma nação de leitores, quando nos outros países as pesquisas indicam uma queda vertiginosa na venda de livros? Já não olham para nós como exportadores de imigrantes ilegais e prostitutas? Controlamos a violência urbana?

Duas antologias brasileiras serão lançadas em Frankfurt: uma de jovens escritores – um gosto tão na moda – e outra sobre futebol. Diversos autores escreveram narrativas cujo tema é a bola, e revelaram os times de suas preferências. Fala-se numa outra antologia em que o assunto é – adivinhem? – a violência urbana. Previsível, não?

Em conversa com editores, agentes e livreiros da Alemanha e França, percebe-se a construção de um novo imaginário de Brasil, uma estampa nebulosa como as terras avistadas por Cabral, quando olhou de longe nossa costa. Nessa fabulação, existem resquícios do exotismo de Jorge Amado, fantasias eróticas com mulheres fogosas e o ingrediente explosivo da violência urbana. Não ficou claro para mim que Brasil é esse, nem que literatura eles desejam. A premissa indispensável é vender os livros.

Traduções de brasileiros são pequenas em número e vendagem, com exceção, é claro, de Paulo Coelho. O mercado espanhol e o português estão em crise, o de língua inglesa edita tímidos 2% de autores que não sejam anglófilos, o francês – que generosamente lança cerca de 47% de estrangeiros – anda em baixa. Os olhos estão arregalados para a Alemanha. Compreenda-se: vender na França, Inglaterra e Alemanha significa ganhar o “mundo”, isso que os agentes de escritores brasileiros tanto desejam.

É inevitável a lembrança de um ensaio da escritora sul-africana Nadine Gordimer, no seu livro Tempos de reflexão (Editora Globo, 2013), O texto de 1997 – O status do escritor no tempo atual – vem seguido de duas perguntas como subtítulos: Que mundo? De quem? Numa conferência em Harvard, ela havia se queixado de que ao egípcio Naguib Mahfouz não era dado o lugar que lhe cabia na literatura mundial contemporânea, que nunca era citado na companhia de nomes famosos como Umberto Eco, Günter Grass etc., e que certamente não era lido nem mesmo por aqueles considerados cultos.

Em resposta aos comentários de Gordimer, o escritor palestino Edward Said rebateu com as perguntas: Mahfouz, negligenciado? Mahfouz, não reconhecido por sua grandeza na literatura mundial? Em relação a que mundo Nadine o definia, a que mundo seu raio de visão se limitava na sua avaliação? E batia mais forte, afirmando que, na literatura de cultura árabe, no mundo da língua árabe, Mahfouz está plenamente estabelecido no cânone da grandeza, e que no cânone populista da fama – embora controverso – é lido por muita gente.

O puxão de orelha de Edward Said abriu os olhos de Nadine Gordimer. O que ela concebia como “literatura mundial” na sua palestra era a dos europeus norte-americanos, na qual se admitiam bem poucos estrangeiros. No mundo da literatura árabe, tão alheio a nós, como muitos outros, Naguib Mahfouz é reconhecido como um grande escritor. E a conclusão do ensaio é a de que, no sentindo abrangente do termo mundo, qualquer uma de nossas literaturas pode ser declarada como mundial, pois se trata de mundos dentro de mundos.

Numa mesa na Feira de Bogotá, em que participavam poetas de vários locais da América Latina e um único brasileiro, Ledo Ivo, percebiam-se as afinidades entre Peru, México, Argentina, Nicarágua, Venezuela e os outros países de língua espanhola, e certo estranhamento em relação à poesia brasileira. Mais tarde, encontrei os poetas em volta de copos de cerveja e perguntei a razão da impermeabilidade à nossa literatura. Falei de um tempo, nas décadas de 1960, 1970 e até mesmo 1980, em que era moda ler escritores da América Latina aqui no Brasil, mas que não percebíamos um interesse igual nos vizinhos de fronteiras.

Todos reconheceram ser verdade, achavam que o português não era fácil de ler e falar, que havia certo orgulho pelo idioma espanhol comum a muitos países – mesmo alguns achando que não se fala da mesma maneira na Venezuela e no Chile –, citaram nomes conhecidos do Brasil, porém confessaram ignorar os autores contemporâneos. Havia certa inveja ou desdém pelo crescimento econômico do Brasil, a “quinta potência do mundo”, uma conversa que se repetiu em vários países. O escritor mexicano Fernando Vallejo, que encontrei em Buenos Aires, conhecia a literatura brasileira e tinha uma visão otimista desse bloco de 200 milhões de leitores, todos falando e escrevendo da mesma maneira, sem diferenças regionais, o que não acontece nos países de língua espanhola.

O que Vallejo não mencionou, com sua delicada generosidade, é que são bem poucos os que leem, nesse número milionário. Que temos graves problemas de educação e não resolvemos a praga do analfabetismo. Que buscamos credibilidade para nossa literatura lá fora, quando não formamos leitores aqui dentro. Que alguns sonham com o “mundo” europeu norte-americano e ainda nem foram lidos no “mundo” brasileiro. 

RONALDO CORREIA DE BRITO, médico e escritor.

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