No primeiro capítulo da obra, por exemplo, o autor analisa a fascinação de pessoas de diferentes culturas e regiões do planeta pela representação pictórica ou fotográfica de paisagens que conjugam harmonicamente os tons azuis da água e do céu claro com árvores ao fundo (imagem de calendário encontrada no mundo todo), pois isso evocaria a vivência ancestral – pré-histórica – do ambiente das savanas, a partir do qual evoluímos como espécie.
TRANSCULTURAL
Traçando um panorama do pensamento estético, que vai de Platão e Aristóteles até Hume e Kant, e passando por cientistas contemporâneos como Steven Pinker e Joseph Carroll, Dutton tenta resgatar a ideia de que é possível reconhecer uma natureza humana transcultural, definida por características e habilidades naturais da mente, encontradas, pois, em qualquer ser humano. É a partir dessa natureza comum que ele propõe uma concepção também transcultural de arte. Para chegar a essa definição geral, a estratégia do pensador é a de valorizar as formas de manifestações artísticas mais recorrentes, e não os exemplos marginais (os experimentalismos vanguardistas, por exemplo).
Ele reconhece que existem diferenças importantes entre os conceitos de arte dos mais diversos povos, mas defende argutamente que seríamos incapazes de falar que “outros” têm um conceito de arte diferente do nosso, se não compartilhássemos algo desse conceito, ainda que de forma analógica: “Todas as culturas humanas exibem algum modo de conduta expressiva que as tradições europeias identificariam como artística, ainda que isto não signifique que todas as sociedades possuam todas as formas de arte”. Dessa forma, ele se coloca na trincheira oposta à do relativismo cultural e, de maneira sem dúvida curiosa, invoca agora o darwinismo, com a colaboração da filosofia da arte, para propor uma nova versão do universalismo humanista.
Por outra parte, a afirmação de que a arte tem um valor e um caráter adaptativo – e a explicação de seu surgimento e desenvolvimento a partir disso – parecerá imprópria para aqueles que endossam a natureza não utilitária do trabalho artístico como um de seus predicados essenciais.
Afinal, a proposição kantiana de que a contemplação artística é algo “puro e desinteressado” não pode coexistir pacificamente com a noção de que, desde suas origens, a arte respondeu a impulsos adaptativos de nossa espécie e possuía, portanto, um valor claramente instrumental e pragmático. A indagação que persiste, portanto, é a seguinte: será que a aceitação do argumento de Dutton, de que a arte é um produto derivado do processo de evolução da espécie humana, é uma forma de degradá-la como prática cultural?
Polêmicas à parte, The art instinct é uma obra que merece ser lida e debatida dentro e fora da academia, porque propõe um caminho alternativo e profícuo para as investigações contemporâneas no campo da estética e da teoria da arte, ainda quando discordamos de algumas de suas argumentações.
EDUARDO CESAR MAIA, jornalista, mestre em Filosofi a e doutor em Teoria da Literatura.