O fato é que nossa crença no futuro – que demora a chegar – nos torna despreocupados com o legado artístico e a manutenção de um acervo que deveria ser obrigatório. Até o fim de março, a Trama Virtual era o maior repositório de músicas da cena independente do país, principalmente de bandas nascidas entre 2000 e 2010. Muitas delas nem chegaram a gravar um disco oficial, mas fizeram carreira e um relativo sucesso apenas com arquivos em MP3.
Eram 78.731 artistas e 205.381 músicas cadastradas no portal, embora não detivesse o maior acervo musical de artistas brasileiros. Outros sites e serviços, como o Palco MP3, possuem tecnologia e um número similar de artistas, mas não agregavam conteúdo ou divulgavam seus produtos como fazia a Trama, que ainda dispunha de jornalistas para produzir notícias e um programa de TV que chegou a passar algumas temporadas no canal Multishow e na TV Cultura.
Como se não bastasse esse esquema de autopromoção, o portal também criou um novo modelo de negócios que parecia ser o futuro para o problema de pagamento de artistas na internet. Através do sistema de “download remunerado”, os grupos que tivessem mais músicas baixadas poderiam ganhar dinheiro. Ou ter direito a isso, uma vez que sua remuneração mensal viria de um cálculo entre o valor total do patrocínio do portal e de outras empresas com relação aos mais acessados de acordo com o número total de downloads de maneira proporcional. No entanto, com o passar dos meses, a verba disponível foi diminuindo e, com isso, o interesse das bandas em permanecer ali. Obviamente, quem já estava por lá deixou suas músicas, mas quem tinha chegado recentemente não se empolgou em disponibilizar suas obras.
Agora, com o fim do portal, para onde foram esses registros? Se formos otimistas, podemos crer que todas as bandas que largaram suas músicas por lá mantiveram ainda seus backups e, em breve, vão disponibilizar suas obras novamente na internet, em sites semelhantes. Se formos pessimistas, teremos que catar um a um, em diferentes acervos particulares, os principais nomes dessa biblioteca virtual.
Em meio a tal contexto de incertezas, temos que louvar a iniciativa de pessoas como os norte-americanos Bob George e David Wheeler (já falecido), que criaram um museu da música contemporânea, em 1985. O ARChive of Contemporary Music (arcmusic.org) é uma coleção de fonogramas mantida de forma independente e construída através de doações do mundo inteiro, contendo atualmente mais de cinco milhões de itens, entre LPs, compactos, CDs e outros formatos de música gravados a partir de 1940.
Sua sede, em Nova York, contém todas as raridades previstas na história da música contemporânea. A ação merecia ser copiada também no Brasil, para além dos registros que existem na Biblioteca Nacional. E, num país onde a memória é precária e a preservação do patrimônio ainda pior, uma iniciativa como a Trama Virtual deveria ser tombada e guardada como um retrato do passado recente que corre o risco de se perder em meio à efemeridade da internet.
JARMESON DE LIMA, jornalista e produtor cultural.