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Peleja: Jobson Figueiredo x Fernando Peres

Há relevância na lei que obriga a existência de obras de arte em edifícios do Recife?

TEXTO Revista Continente

01 de Abril de 2013

Imagem Janio Santos sobre foto de divulgação

Em dezembro de 1980, foi sancionada a Lei Municipal de Obras de Arte em Edificações do Recife, que foi ampliada aos municípios pernambucanos com população superior a 20 mil habitantes, alguns anos depois. Agora, num cenário artístico diferente e num momento de grande especulação imobiliária, parece pertinente voltar a discuti-la. Para isso chamamos dois artistas com opiniões divergentes sobre a lei: Jobson Figueiredo e Fernando Peres.

JOBSON FIGUEIREDO
Escultor, restaurador e membro do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano



A Lei Municipal de Obras de Arte em Edificações
do Recife vem de longa data. A ideia partiu do escultor Abelardo da Hora, em 1960, que a sugeriu ao prefeito Miguel Arraes. Entretanto, somente em dezembro de 1980, foi sancionada a Lei nº 14.239, pelo prefeito Gustavo Krause. Em 1989, então Presidente da Associação dos Artistas Plástico Profissionais de Pernambuco, participei, em conjunto com Marcelo Mário Melo, do MUCP (Movimento Unificado Constituinte Popular), através do qual conseguimos que a Lei de Obra de Arte em Edificações passasse a valer para todo o Estado:

“Os municípios com população superior a 20 mil habitantes, quando da elaboração do Plano Diretor Urbano, deverão observar a obrigatoriedade de constar em todos os edifícios ou praças públicas com área igual ou superior a mil metros quadrados, obra de arte, escultura, mural ou relevo escultórico de autor pernambucano ou radicado no estado há, pelo menos, dois anos”.

Hoje, são dezenas de cidades que seguiram o exemplo do Recife/Pernambuco e criaram suas leis de obras de arte públicas: a Lei Municipal nº 3.255 de 1998, em Florianópolis; Lei Municipal nº 1.759, de Foz do Iguaçu; em 20 de junho de 2011, a Lei nº 10.036 de Obras de Arte, em Porto Alegre.

A necessidade de humanização das cidades sufocadas, desumanas e imobilizadas é permanente e urgente. A preservação da condição humana começa no seu habitat, no seu prédio. O espaço de lazer tem que ser respeitado. As crianças precisam de espaço, não podem brincar no meio dos carros nos estacionamentos. Todos necessitam preservar a sua condição humana. Os apartamentos não são gavetas de dormir ou de se esconder, mas, sim, lugar de se viver. Viver com arte e com sentimento.

Os espaços institucionais estão sendo reavaliados. Os artistas buscaram novos lugares para se expressar. O espaço asséptico da galeria “cubo branco” foi substituída pelo impuro da vida real. Surgem os lugares alternativos para a arte: as ruas, praças, entradas dos prédios etc. A condição plural da arte contemporânea sai do seu suporte tradicional e caminha ao encontro do urbano e humano. É a reaproximação do sujeito com o mundo. A arte pública tem papel fundamental nesse processo de inserção homem/cidade – hoje, o cidadão é espectador e participante da arte. A arte exposta no espaço público é determinante na qualidade de vida das pessoas e de seu ambiente.

FERNANDO PERES
Artista plástico



“Todo o edifício ou praça pública com área igual ou superior a mil metros quadrados, que vier a ser construído no Município do Recife, deverá conter em lugar de destaque e fazendo parte integrante dos mesmos obra de arte, escultura, pintura, mural ou relevo escultórico de autor preferencialmente brasileiro.” Conheci a lei que obriga a existência de obras de arte em edifícios durante minhas primeiras visitas ao Recife, no início dos anos 1980. Minha mãe, Rogélia, foi uma das projetistas do Shopping Center Recife. Pela lei, o shopping deveria ter uma escultura e acabou tendo várias, inclusive no espaço interno, o que era bem legal. Na época de ouro dessas esculturas obrigatórias, nos anos 1980, até os edifícios eram mais bonitos.

Essa conversa do Recife ser “o maior museu a céu aberto” (do mundo?) acho boboca, como chamar a cidade de “Veneza brasileira”, a “melhor do Norte/Nordeste”, essas coisas. Por toda a cidade, várias obras de Francisco Brennand, Cavani Rosas, Marianne Peretti, Abelardo da Hora, Jobson Figueiredo e Corbiniano Lins na frente de edifícios são muito bonitas, quase um cartel do bem. Outras são pura ficção científica e/ou horrorosas e vencem pela personalidade exótica. Parece que já são mais de duas mil delas, um exército maluco. Diversas, certamente, são o resultado de alguma falcatrua de arquitetos e engenheiros dos prédios em construção, que se transformam em artistas pouco inspirados; construtoras que burlam a legislação com obras que habitam (conseguindo assim o “habite-se”) temporariamente diferentes prédios, ou obras que nunca existirão como tal no mundo real das artes. 

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