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Burle Marx: A face desconhecida do mestre do verde

Centro Cultural Correios abre exposição com 121 desenhos figurativos, ainda inéditos, realizados pelo maior paisagista brasileiro

TEXTO Danielle Romani

01 de Fevereiro de 2013

Cenas de bar foi uma das temáticas exploradas pelo paisagista em seus desenhos

Cenas de bar foi uma das temáticas exploradas pelo paisagista em seus desenhos

Imagem Reprodução

Quandos se fala em Roberto Burle Marx, a primeira imagem que vem à mente são as dos seus projetos paisagísticos, reconhecidos mundialmente, e que podem ser vistos por todo o país: na exuberância dos jardins tropicais da Praça de Casa Forte, no Recife; nos espaços amplos e monumentais do Aterro do Flamengo, no Rio; e nas humanizadas e grandiosas superquadras brasilienses. Exemplos explícitos de como o uso adequado das espécies vegetais pode tornar a vida mais bela e agradável.

Burle Marx, entretanto, foi um homem de múltiplas faces. Uma delas, praticamente desconhecida, chegará à capital pernambucana no dia 6, com uma exposição montada no Centro Cultural Correios, no Bairro do Recife. Lá, o público poderá conferir, até o dia 28 de abril, a mostra Roberto Burle Marx: a figura humana na obra em desenho, que reunirá 121 trabalhos produzidos pelo artista entre 1919, quando ele tinha apenas 10 anos de idade, e a década de 1940, quando era um artista reconhecido e já começava a se firmar como um dos expoentes do modernismo brasileiro na área do paisagismo.

“Escolhemos um conjunto de obras que descortinam um Burle Marx desconhecido do grande público, como aprendiz e como artista que procura a sua autonomia e identidade. Uma espécie de face oculta”, explica a curadora Yanara Costa Haas, arquiteta do Sítio Roberto Burle Marx e mestra em Patrimônio Histórico, que enfatiza: a exposição é itinerante, vem percorrendo, desde agosto de 2012, diversas capitais onde o artista tem obras expressivas, a exemplo de Brasília e do Rio de Janeiro.

“São trabalhos iniciais da sua carreira, feitos sobre papel, com carvão, grafite, nanquim, lápis de cor, creiom, giz de cera, hidrocor e guache, produzidos desde a sua infância, passando pela época acadêmica até a idade madura”, reforça Yanara. Toda a produção contém a figura humana como temática central. A inspiração dos desenhos é nitidamente calcada na convivência do paisagista com seus professores Leo Putz e Portinari.

O material a ser apresentado ao público recifense é inédito – jamais havia sido exposto – e faz parte do acervo exclusivo de 1.589 desenhos pertencentes ao Sítio Roberto Burle Marx/IPHAN/MinC. Os desenhos reunidos nessa espécie de “fundação” englobam o período de 1919 até a data de sua morte, em 1994, e vão da fase figurativa ao total abstracionismo. No caso específico do Recife, onde Burle Marx morou e trabalhou na década de 1930 como diretor do Setor de Parques e Jardins da Diretoria de Arquitetura e Urbanismo do Governo do Estado de Pernambuco – e onde construiu sua primeira praça, a de Casa Forte, em 1935 –, a mostra reúne desenhos que flagram a cidade.


Burle Marx veio morar no Recife em 1934, e projetou sua primeira praça
na cidade, a de Casa Forte, um ano depois. Foto: Reprodução

“Para a exposição recifense, serão destacadas 15 obras produzidas em técnica pastel sobre a figura humana na paisagem pernambucana, em bairros e localidades da cidade, no ano de 1932. Nessa série, ele criou desenhos em aquarelas sobre as figuras do povo em ambientes locais, como Casa Amarela e Peixinhos”, detalha Yanara, que selecionou essas peças especialmente para a temporada no Recife. A exposição também traz um conjunto de imagens de bar, com cenas entre homens e mulheres boêmios, contendo mesas e copos em primeiro plano. “São as chamadas cenas de bar”, explica a especialista.

No dia 16 de março, às 16h, um plus para os que desejam conhecer mais essa faceta pouco conhecida da obra de Burle Marx: nessa data, haverá lançamento do catálogo e visita guiada pela curadora, que explicará ao público os detalhes dos 121 trabalhos mostrados na cidade.

EXPOENTE
Principal expoente do paisagismo brasileiro, Roberto Burle Marx nasceu em 4 de agosto de 1909. Ele foi o que se pode chamar de um homem plural: alem do paisagismo e das artes plásticas, trabalhou também como cantor, criador de joias, ceramista, escultor, pesquisador e tapeceiro.

Paulista de nascimento, em 1913, ainda criança, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde produziu alguns dos seus principais trabalhos e projetos. No final da década de 1920, estudou pintura na Alemanha, e lá descobriu a flora brasileira cultivada em estufas, após frequentar assiduamente o Jardim Botânico de Berlim. Em 1932, depois do primeiro projeto paisagístico criado para uma obra arquitetônica de Lúcio Costa e Gregori Warchavchik, passou a se dedicar à área, juntamente com a pintura e o desenho.

Em 1934, veio morar no Recife, trabalhando sob a coordenação do arquiteto carioca Luiz Nunes. Aqui, projetou quatro praças públicas: a de Casa Forte, a Euclides da Cunha, na Madalena, a Dezessete, em São José, e a Artur Oscar, em frente à Torre Malakoff, hoje totalmente desvirtuada.

As obras foram produzidas utilizando aquarela, creiom e guache, entre outros materiais. Imagem: Reprodução

Burle Marx fez, ainda, pequenas intervenções em praças construídas no século 19 e no início do 20, como as do Derby, da República, da Maciel Pinheiro e da Chora Menino. Também são dele as modificações realizadas nos jardins internos do Palácio do Campo das Princesas, sede oficial do governo pernambucano. Seu trabalho se pautava em três eixos: o ecológico, o educativo e o artístico.

O convite para que viesse morar em Pernambuco foi feito pelo governador Carlos de Lima Cavalcanti, que pretendia mudar a paisagem recifense, dotando-a de ares modernos. Sua saída se deveu a motivos políticos, a partir da instauração do Estado Novo, que via com suspeição os artistas modernistas. Mas a ligação com a cidade continuaria. Em 1950, seria convidado a construir mais duas praças: a que fica em frente ao Aeroporto dos Guararapes e a do Jardim Zoobotânico de Dois Irmãos. Suas últimas obras recifenses foram realizadas na década de 1980, quando construiu a Praça Burle Marx, instalada e aberta à visitação na Oficina Francisco Brennand; o Cemitério Parque das Flores, no Sancho; e o Parque Memorial Arcoverde, na divisa entre o Recife e Olinda, que não chegou a ser totalmente concretizado.

Depois da passagem pela capital pernambucana, sua fama ganhou o mundo. Em 1955, o paisagista fundou a Burle Marx & Cia. Ltda. e passou a elaborar projetos de paisagismo, realizando a execução e manutenção de jardins residenciais e públicos em todo país. Entre suas obras de destaque, estão os jardins do Itamaraty e o paisagismo do Eixo Monumental, em Brasília e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) e os jardins do Aeroporto Carlos Drummond de Andrade, em Belo Horizonte. No exterior, assinou o paisagismo da Embaixada do Brasil em Washington, nos Estados Unidos.

Em 1949, Burle Marx adquiriu um sítio de 365 mil m², em Barra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, onde organizou uma grande coleção de plantas, muitas delas fontes de inspiração para seus trabalhos. Esse sítio foi doado, em 1985, à Fundação Nacional Pró-Memória (atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN). Aos 84 anos, após ter projetado mais de 2 mil jardins, Roberto faleceu no dia 4 de junho de 1994, no Rio de Janeiro. Um homem, sem dúvida, que deixou o Brasil mais verde e mais bonito. 

DANIELLE ROMANI, repórter especial da revista Continente.

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