O espírito de Big jato se incorpora à apresentação que Xico Sá escreveu para o livro de Fred Jordão, na medida em que ele rememora a euforia que sentia diante da chegada da chuva em oposição à reação aborrecida do pai, que sabia da enganação daquela água pouca: “Ficar bonito nos olhos, quero ver ficar bonito no bucho”. É esse contraste de resposta que impulsiona a narrativa de Big jato e que Xico Sá transportou para Sertão verde – paisagens, oferecendo uma leitura da seleção de imagens feita para essa edição.
Então, se entrarmos neste volume pela porta da frente, observaremos que há uma intenção narrativa, iniciada com enquadramentos fechados em galhas secas – que sugerem abstrações da natureza –, seguidos de planos mais abertos, árvores nuas, colocadas contra espaços bem trabalhados em variados tons. Depois dessas boas-vindas, as imagens trazem céus carregados de nuvens e, finalmente, uma sequência de quatro fotos em que a chuva cai sobre a estrada de barro, vista sob a proteção do para-brisa do automóvel. Vem o texto de Xico Sá e aquilo que podemos chamar o miolo da edição, composto de variados subtemas da chave que nomeia a publicação.
Comumente, dizemos que o mais difícil num trabalho de edição é o corte. Ou seja, dispensarmos aquilo por que nos apegamos. Diante de Sertão verde – paisagens, supomos o quanto isso tenha sido forçoso para o fotógrafo, que tinha diante de si duas tarefas inevitáveis: encontrar um eixo narrativo, e escolher imagens que nele se encaixassem, descartando várias outras dentro de um acervo que vem sendo produzido há mais de 15 anos. Dureza. Porque, aqui, voltamos à questão do início, sobre quantas imagens somos capazes de reter. Nesse volume, são cerca de 200 fotografias coloridas, em que a expressão “paisagens” foi esticada para incluir itens da fauna sertaneja e elementos construtivos e utensílios domésticos (estes, com os quais o fotógrafo encerra o livro). Tais itens poderiam ser descartados? Embora belas e contextuais, são imagens que nos colocam essa pergunta diante do recorte proposto.
A maior densidade da edição está nos panoramas, nos planos abertos, não apenas pela grandiosidade intrínseca a esse tipo de registro fotográfico, mas por oferecer a geografias estigmatizadas por ideias de escassez e pobreza uma atmosfera de poder e reverência. Com um olhar, ao mesmo tempo, objetivo e pessoal, Fred Jordão registrou paisagens dos sertões e regiões fronteiriças de Pernambuco, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraíba e algumas poucas da Bahia e Sergipe. Mas, diante das imagens captadas, essas divisões da geografia política tornam-se um marcador menos relevante que as similaridades estabelecidas pela geografia física muito assemelhada. Verde e grandiosa, graças à força da chuva.
ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.