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Ciranda Bordadeira

Arte com todas as linhas

TEXTO Mariana Oliveira

01 de Janeiro de 2013

'Fantasia', peça de Vera Simonetti, baseou-se na obra 'Nu', de Montserrat Gudiol

'Fantasia', peça de Vera Simonetti, baseou-se na obra 'Nu', de Montserrat Gudiol

Imagem Reprodução

A imagem é clássica: uma senhora de idade sentada numa cadeira de balanço, bordando flores e ocupando seu tempo. Dificilmente, alguém vai imaginar algo diferente quando ouvir falar de uma bordadeira. No senso comum, essa atividade manual está associada à mulher, dona de casa, que, pela falta do que fazer, decide dedicar-se ao bordado. Mas nem sempre é assim. O grupo Ciranda Bordadeira (SP) reúne em torno desse ofício mulheres de todas as idades, com perfis diversos e profissões mais diferentes ainda. Elas se encontram periodicamente para conversar, trocar experiências e bordar. Os resultados não estão apenas decorando suas casas ou servindo como presentes para conhecidos. As peças – extremamente delicadas e coloridas – têm ganhado status de expressão artística.


Ao transpor a obra de Militão dos Santos para o bordado, Olinda Evangelista conseguiu manter a vibração das cores. Imagem: Reprodução

A inspiração para bordados tão complexos vem de variadas referências. O grupo trabalha com séries temáticas ou escolhe como mote uma obra (da literatura, da pintura...) e, a partir dela, passa a fazer releituras de seus elementos. Uma das produções mais recentes foi documentada no livro Bordados do Brasil: a arte de Militão dos Santos, organizado por Jaci Ferreira (SP) e Olinda Evangelista (SC), que contou com a participação de 15 bordadeiras e um bordador, com lançamento previsto para fevereiro próximo. Cada um dos participantes escolheu uma obra do artista pernambucano e empreendeu um processo de livre interpretação. As peças exploram a vibração das cores, algo caro a Militão, que costuma afirmar que elas representam “o prazer e a felicidade da alma no momento da criação”. Assim como na obra original, esses bordados expressam muito bem o imaginário afetivo e social brasileiro. A simplicidade, os traços rústicos da obra do mestre parecem se adaptar perfeitamente aos pontos dos bordados, num diálogo interessante.


A obra Tocador de realejo inspirou a bordadeira Flávia Herriges. Imagem: Reprodução

O livro é um desdobramento do trabalho que deu origem ao grupo. Jaci Ferreira, coordenadora do Ciranda Bordadeira, conta que tudo começou quando uma aluna do seu curso de bordados disse que gostaria de tecer um quadro de Van Gogh. A ideia se alastrou e o grupo se formou com o intuito de apresentar uma exposição inspirada em alguns pintores. O primeiro passo foi selecionar artistas que fossem “bordáveis”. Aqueles com trabalhos extremamente abstratos tornariam a confecção das peças mais complicada. A mostra Bordando os sete, cuja exibição inicial aconteceu em março de 2012, trouxe 20 peças inspiradas nos trabalhos de sete artistas: Anita Malfatti, Djanira, Matisse, Monet, Van Gogh, Montserrat Gudiol e Militão dos Santos.

Enquadradas e vistas a distância, as obras feitas com linha e agulha pareciam ter sido realizadas com tintas e pincéis. Além de homenagear os pintores, as peças buscavam revigorar o bordado como expressão artística. A exposição reunia cinco trabalhos inspirados em Militão dos Santos. Quatro foram escolhidos e, a partir deles, foram feitos mais 12 inéditos, para compor o livro.


Vilma Simas e Jaci Ferreira assim interpretaram o tema "felicidade". Imagem: Reprodução

No segundo semestre de 2012, o grupo dedicou-se a outro projeto, uma mostra cujo tema seria “felicidade”. Depois de trabalhar com base num material mais concreto, foi um desafio transformar algo tão subjetivo em imagem. As bordadeiras tentaram dar uniformidade de expressão com formas, cores e texturas harmônicas que propiciassem sensações de conforto e bem-estar e, além disso, suscitassem no público percepções análogas provenientes de suas próprias memórias. A infância como referência de felicidade foi uma constante. Agora, o grupo se prepara para construir bordados com o tema “memória”.


Mieko Makino explorou as memórias de criança. Imagem: Reprodução

O processo de criação é demorado. Podem transcorrer de três a seis meses na conclusão de uma única peça. O trabalho tem início com um pedaço de linho ou brim, que servirá como base para receber as linhas e fios. As autoras traçam no papel as imagens que pretendem transpor para o pano e, a partir daí, começam a feitura manual. Em alguns casos, é possível aquarelar a base, marcando com cores o que seria o céu, a terra, o horizonte, dando perspectiva ao bordado. Os relevos são um detalhe à parte. É preciso adensar as linhas que, ganhando volume, dão às peças um aspecto tridimensional. 

MARIANA OLIVEIRA, repórter especial da revista Continente.

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