Não é fácil precisar o excesso como elemento estilístico e um primeiro caminho tem sido delineá-lo a partir dos gêneros (seu uso mais contundente, sistemático, mas não exclusivo). Assim, o termo foi pensado como a marca comum do que a pesquisadora de cinema Linda Williams (2004) denomina de gêneros do corpo, pois o convite sensório-sentimental estabelecido pela narrativa se dá a partir do corpo em ação, corpo dado a ver como espetáculo e como ancoragem de uma experiência do êxtase, como atração, em movimentos que performam e expressam estados sensoriais e sentimentais que, audiovisualmente, inspiram no espectador, se não os mesmos estados, algo bem próximo. Convidam, afinal, a fluir e fruir sensorial e sentimentalmente. Os corpos se movem e mobilizam.
Na minha apropriação das reflexões de Williams, argumento que tal compartilhamento responde a uma demanda do projeto de modernidade, primordial à própria construção da ideia de sujeito moderno: as necessidades de personalizar as práticas de consumo em projeções empáticas de identificação.
Assim, o excesso se apresenta como as específicas articulações da narrativa numa reiteração constante, como se cada elemento da encenação – desde a música, a atuação, os textos, a visualidade, as performances – estivesse direcionado para uma mesma função; ou seja, como se todas as instâncias dissessem, expressassem o mesmo, a serviço de uma obviedade estratégica que toma corpo de maneira exuberante e espetacular.
A noção de obviedade não deve ser entendida aqui como um elemento pejorativo, mas como um regime de expressividade que marca a economia reiterativa do excesso e com ela a “facilitação”, diria imediatismo, do engajamento entre obra e público. Engajar-se à narrativa pressupõe colocar-se em estado de “suspensão” sentimental e sensorialmente vinculado a ela. Para catalisar esse convite à adesão, o apelo ao visual (ao narrar a partir de imagens que se estruturam como símbolos) é elemento fundamental, conduzindo ao que Peter Brooks (1995) chama de “superdramatização” da realidade através de uma estética do astonishment (que podemos traduzir como arrebatamento).
O excesso reitera e satura, promove um fluxo de imagens e sons que a um só tempo esclarece e afoga, intensifica a força espetacular dos símbolos (exacerbadamente elencados na tessitura fílmica) e adensa a força disruptiva e excitante do êxtase (como vetor da ação e como convite à semelhante reação do espectador) – o corpo fora de si (beside itself). Procedimentos imagéticos e sonoros (mobilizando a sensorialidade através dos ruídos) reiteram e saturam o uso de elementos audiovisuais para além da função de narração (storytelling), propondo um superenvolvimento em sensações e emoções.
No seu uso mais comum nas tradições dos gêneros do corpo, o excesso conduz a vínculos empáticos configurados com muita frequência, mas não exclusivamente, em temáticas que envolvem instâncias moralizantes, que serão articuladas de maneira exacerbada e caracterizadas pelo predomínio da visibilidade (reiterando imagens de fácil apreensão) que se articula em um sistema de simbolização intensa. Argumento, a partir da reflexão de Williams, que tal uso indicaria a dimensão espetacular do excesso que, cotejando com as ideias de Umberto Eco, em seu livro A vertigem das listas, apontariam uma estratégia e um desejo reiterativo.
Mas há ainda outra dimensão (que não passa totalmente desapercebida por Williams, embora não seja o foco de seu artigo) que ocorre de modo mais próximo das atrações, em que o excesso aparece como insert de choque e saturação. Tais inserts de atrações se dão sobretudo fora das tradições dos filmes de gênero, mas analogamente mobilizam – seja por um regime de alusões, seja por associação de êxtase, saturada e vertiginosa de imagens e sons – as paixões, afetos e sensações. Falar de excesso em um texto tão curto é uma contradição em si, mas, por outro lado, é um convite passional p ara o leitor engajar-se nesse universo de choros, gritos, cantos e gozos.
MARIANA BALTAR, doutora em Comunicação, professora da UFF e coordenadora do Nex – Núcleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Audiovisuais.