Outras que ajudaram a estabelecer o padrão da música natalina foram Winter wonderland, de 1934 (Felix Bernard e Richard Smith), cantada por Perry Como (entre cerca de outras 150 versões); Santa Claus is coming to town, também de 1934 (J. Fred Coots e Haven Gillespie), que foi gravada por muitos, inclusive pelo Jackson Five, já nos anos 1970; Let it snow! Let is snow! Let it snow!, de 1945 (Sammy Cahn e Jule Styne), que tem uma versão famosa com Doris Day; Rudolph, the red-nosed reindeer (Rodolfo, a rena de nariz vermelho), composta por Johnny Marks, originalmente sucesso com Gene Autry, em 1949, e que teve uma versão com The Temptations, em 1968; e Frosty, the snowman (de Walter Rolling e Steve Nelson), que também foi gravada por Gene Autry, em 1950.
Em todas elas, há uma forte atmosfera de livros infantis, salas semiescuras cheias de presentes, uma lareira crepitando, comidas gostosas sobre a mesa e a neve caindo lá fora. Os motivos que fazem habitantes dos trópicos (como os brasileiros) e de outros países do hemisfério sul (como os australianos, que comemoram o Natal na praia, de bermudas) se identificarem com esse tipo de imaginário de neve e pinheiros são outros quinhentos. O fato é que a fórmula consagrada pelos compositores norte-americanos e europeus retrata com eficiência o ideário do clima das festas de fim de ano através de melodias bem-trabalhadas, instrumental rico e variado, sinos melodiosos na percussão, tudo emoldurado pela maestria vocal dos grandes do gênero, no início Frank Sinatra, Bing Crosby e Nat King Cole, e mais recentemente, Paul McCartney, Ray Charles, The Carpenters, Diana Krall, e Mariah Carey, entre tantos outros.
Apesar do desgaste natural de serem conhecidas há décadas, essas canções se incorporaram perfeitamente aos standards norte-americanos. Foi basicamente nessa música popular suave, pré-rock’n’roll, que a tradição natalina ganhou força (com a ajuda do cinema e da publicidade).
Mas mesmo a revolução dos costumes surgida com a música jovem nos anos 1950 e 1960 não deixou de lado o Natal. Pelo contrário. Elvis Presley lançou, já em 1957, seu primeiro disco inteiro sobre a festa, intitulado simplesmente Elvis’ Christmas album. Os próprios Beatles tinham o costume de, todos os anos, lançar um compacto de Natal com mensagens para os fãs, brincadeiras e alguma música relativa ao fim de ano. Ao longo das últimas décadas, as canções natalinas têm aparecido numa série de gêneros populares como jazz, pop-rock, soul, dance, rock, rhythm’n blues e country.
Acervo visual do período é repleto de imagens que, mesmo
herdadas de outras culturas, se amalgamam ao contexto nacional.
Imagem: Reprodução
De 1950 até agora, praticamente todos os grandes nomes lançaram algum trabalho nesse campo: Jackson Five, Queen, John Lennon e Yoko Ono (Merry Xmas – War is over), Elton John. E também os roqueiros glam do Slade (Merry Xmas Everybody) e o pós-punk britânico The Pogues (Fairytale of New York). Uma banda de rock progressivo como Emerson, Lake & Palmer lançou I believe in Father Christmas, em 1977. Eagles, Lynyrd Skynyrd, Bruce Springsteen, Ringo Starr e John Travolta também investiram no gênero. Sting, por exemplo, gravou o sofisticado If on a winter’s night, em que reúne música e poesia de nomes como Robert Louis Stevenson.
Em 1984, um lançamento de Natal gerou todo um novo movimento humanitário. Do they know it’s Christmas, composta por Bob Geldof e Midge Ure e cantada por um grupo de astros, sobretudo ingleses, foi um grande sucesso e teve sua renda destinada a ajudar os famintos da Etiópia. O projeto deu, no ano seguinte, origem ao Live Aid, dois grandes concertos beneficentes, e mais uma música igualmente coletiva, gravada por cantores norte-americanos.
NO CORAÇÃO
Curiosamente, boa parte dos grandes compositores e cantores do estilo são judeus norte-americanos. É o caso de Irving Berlin, que compôs a música mais gravada de todos os tempos, White Christmas, que tem mais de 500 versões no mundo todo. Entre as 25 músicas de Natal mais vendidas, metade foi composta por judeus. Seguindo essa tradição, e sua própria trajetória cheia de contradições, Bob Dylan, o lendário compositor da contracultura, lançou em 2009 o álbum Christmas in the heart, todo com canções sobre o tema. Os cantores Neil Sedaka, Neil Diamond, Barry Manilow e Barbra Streisand, todos de origem judaica, também são conhecidos pelos lançamentos de Natal. “Essas canções são parte da minha vida do mesmo jeito que as canções folk”, afirmou o também judeu Dylan, numa rara entrevista sobre o assunto, dada a um repórter da MTV.
Parte do sucesso desse segmento musical tem sido estimulada por emissoras de rádio norte-americanas que tocam a música de Natal entre os meses de novembro e dezembro. Algumas chegam a dedicar toda a programação à chamada “temporada da nostalgia”. A paradoxal relação entre festa cristã e consumismo é evidente também no campo musical. Nos bons tempos da indústria fonográfica, o último trimestre do ano era responsável por 40% das vendas de discos e os lançamentos se beneficiavam disso. Além do mais, dizem os críticos, a execução dessa trilha sonora nas lojas coloca as pessoas no clima de consumo de que o comércio necessita para faturar.
Natalinas ao som de guitarra havaiana “made in Brazil” de Poly. Imagem: Reprodução
Seja como for, memoráveis obras do gênero foram criadas ao longo do tempo, como é o caso do disco A Christmas gift for you (1990), produzido pelo genial Phil Spector, para artistas como Darlene Love, The Ronettes, The Crystals, considerado um dos melhores no segmento.
HARPA PARAGUAIA
No Brasil, a música de Natal nunca teve a mesma força. O disco mais conhecido é A harpa e a cristandade, de Luiz Bordón, um paraguaio que fez muito sucesso como harpista entre os anos 1950 e 1980. Bordón (1926-2006) fez boa parte de sua carreira no Brasil. Nesse seu disco mais conhecido, lançado em 1964 pela gravadora Chantecler, e até hoje em catálogo, ele definiu, para muitas gerações de brasileiros, o verdadeiro som do Natal, ao fazer versões de marchinhas, valsas e canções embaladas pela harpa paraguaia. Entre elas estão Fim de ano (de Francisco Alves e David Nasser) e Natal das crianças (de Blecaute). Entre os clássicos estrangeiros, o harpista fez versões para Noite silenciosa (de 1818, composta pelos austríacos Joseph Mohr e Franz Grüber) e Jingle bells (do norte-americano James Lord Pierpont, composta em 1857). É certamente, no Brasil, um dos discos mais ouvidos – e um dos menos reconhecidos pela crítica, possivelmente por ter sido banalizado ao se tornar repertório obrigatório do mundo da publicidade e do comércio.
Outro disco que se mantém até hoje é o de Poly e sua guitarra havaiana. Poly era, na verdade, o paulista Ângelo Apolônio (1920-1985), um virtuoso das cordas (tocava violão, viola, cavaquinho, bandolim e banjo, entre outros) que fez muito sucesso nos anos 1950 e 1960, chegando a influenciar até músicos como Sérgio Batista, dos Mutantes. Nos anos 1960, Poly gravou o disco Natal em família, com marchas e valsas de compositores brasileiros como Assis Valente e Herivelto Martins, também pela Chantecler. As canções, marcadas pelo doce som da guitarra havaiana, traduzem o clima meio melancólico do Natal e são exemplares de uma época mais ingênua e menos consumista.
Nos últimos tempos, têm havido gravações de Simone, Roupa Nova, Ivan Lins e alguns sertanejos. Mas, com a exceção de alguns poucos como o paraguaio-brasileiro Luiz Bordón e Poly com sua guitarra havaiana, a música brasileira de qualidade não descobriu a força do Natal.
MARCELO ABREU, jornalista, professor e autor de livros-reportagem e de viagem, como De Londres a Kathmandu.