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Idas e vindas

TEXTO José Cláudio

01 de Dezembro de 2012

'Mulheres', de José Carlos Viana. Acrílico sobre tela, 120 x 90 cm, 2012

'Mulheres', de José Carlos Viana. Acrílico sobre tela, 120 x 90 cm, 2012

Imagem Reprodução

No meu dia-a-dia de pintor, apreciando arte por gosto e obrigação, apreciando a mim e aos outros, desde nossos ancestrais egípcios, assírios e babilônicos, bizantinos, afrescos pré-colombianos de Bonampak ou iugoslavos medievais ou da arte românica catalã, pinturas japonesas búdicas ou indianas das cavernas de Ajanta, primitivos africanos ou italianos ou neozelandeses, renascentistas e pré-renascentistas, belgas e alemães, chineses e coreanos, gregos e etruscos, os ícones russos, a arte do homem da caverna ou do homem do século 20, que da primeira década do 21 talvez somente possamos avaliar depois, daqui e de outros lugares desse mundo cada vez mais interligado, tudo isso nos obnubila o discernimento de modo a nem sempre parecerem compreensíveis essas lucubrações que aqui arrisco, ou as deixe incompletas por essa delicadeza de sentimentos que se abate sobre alguns caracteres na idade provecta, e vamos parar antes que nem aquela tia velha inventada por Elio Gaspari consiga destrinchar: tudo isso, nem mais nem menos, para dizer que bati o olho e vibrei com um quadro de José Carlos Viana do Livro pernambucano de arquitetura e decoração.

Foi um alerta. Senti até necessidade de rever minha trajetória, como de vez em quando me acontece quando me deparo com uma bela pintura: e não é pouca coisa, pois vivo de pintura, e tal acontecimento mexe com minha vida diária, inclusive meu ganho, porque pintar é meu ganha-pão.

De vez em quando, um grande pintor, desses com quem temos uma dívida eterna, como Picasso ou Matisse ou Diego Rivera e nem sempre estamos lembrado disso, nos grita para voltar às bancas escolares e estudá-los, praticá-los, reaprendê-los, não nos afastarmos deles. Advertência contra possíveis descaminhos. Ouvi claro esse grito na sala cheia de gente no lançamento do livro no térreo do edifício Isaac Newton, 10/10/12, 19h, eu procurando ser simpático, as pessoas sorrindo por educação, eu falando dos cabelos de Lenora, filha do meu mestre Abelardo da Hora, cabelos que voltaram de Paris alaranjados, mas era para disfarçar o choque que levei vendo o quadro de José Carlos Viana, belamente gráfico, aquelas felizes alusões, de uma graça infinita, a nus femininos que perpassam gesticulando pelo meio do quadro, pura maravilha. É, garotos, vivo na tempestade, embora faça tudo para parecer sereno: “Debaixo desse louro, a como val’a canada?” Me acudam Velázquez, Rouault, James Ensor.

Daqui a pouco vai fazer 40 anos que me dedico à pintura por encomenda. Com todas as implicações da pintura por encomenda. Não creio ter abdicado, porém, da minha estética, isto é, da noção do excelente em pintura, por ter me submetido à estética do cliente, à estética do encomendador do quadro. De fato, quando me encomendam uma pintura, já têm em mente o que escolheram de um elenco que lhes ofereci uma vida inteira.

Mas aproveito para experimentar uma nota nova dentro das minhas possibilidades e do aceitável pelo cliente. Além disso, entre uma e outra encomendas, dou-me ao luxo de pintar à doida, sem compromisso nem comigo mesmo, com frequência retomando um mesmo quadro diversas vezes, dando uma de concertista de jazz. Aliás já fiz duas exposições inteiras com esses exercícios, releituras do mesmo quadro, uma delas com Gil Vicente, no Museu do Estado, organizada por Tereza Dourado, quadro que ela mesma escolheu, Saudades, de Almeida Júnior, e anteriormente sobre o Descanso do modelo, do mesmo pintor, em São Paulo, organizada por Renato Magalhães Gouvêa. Por coincidência, no referido Livro pernambucano de arquitetura e decoração tem estampada versão de minha autoria de O importuno, também de Almeida Júnior. Que tal, Gil, aquecermos a musculatura de novo?

Picasso sempre voltava para se reabastecer. Voltava à “pintura com os olhos”. Como quando diz: “Devemos voltar a pintar paisagem com os olhos. Para ver uma coisa é necessário ver todas as coisas. Paisagem deve ser pintada com os olhos, e não com as ideias preconcebidas que estão nas nossas cabeças” (comentário sobre o quadro Nuvens de fumaça em Vallauris, 1951, óleo sobre tela, 60x73cm, no livro Picasso, de Mario de Micheli, 1967). Em 1958, em Bolonha, Morandi disse a Darel que o que estava faltando à arte era a confiança na natureza. Mui atual. 

JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.

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