Arquivo

A nova cinefilia

TEXTO Fernando Vasconcelos

01 de Dezembro de 2012

Fernando Vasconcelos

Fernando Vasconcelos

Foto Divulgação

A já centenária arte para as massas, o cinema, passa por constantes mudanças desde que, em meados dos anos 1970, a célebre crítica Pauline Kael (1919-2001) declarou um profético “o cinema acabou”, diante do sucesso de filmes como Guerra nas estrelas (Star wars, 1977), que iniciavam a era dos blockbusters. Bem, o cinema ainda não acabou. Mas está diferente. A cinefilia, hábito apaixonado de ver e amar filmes e cineastas, formatou-se no pós-guerra, com a sétima arte em sintonia com as transformações sociais e políticas surgidas nos anos 1960, da contracultura americana à nouvelle vague. Estas refletiam uma geração que não apenas via os filmes, mas escrevia, pensava e discutia sobre cinema, assistindo a obras fora do circuito, em cineclubes e na então boa programação das madrugadas nos canais de TV.

Nos anos 1980, aconteceu a grande revolução que redefiniu e renovou a cinefilia: a chegada do videocassete, quando os filmes passaram a ser alugados, copiados e colecionados. A revolução completou-se com a era digital, do suporte físico (DVD e blu-ray) à internet. Os meios digitais criaram uma nova geração de amantes dessa arte, que passa a conhecer e consumir com facilidade cineastas de qualquer época e suas obras completas. Tudo ao mesmo tempo, e não mais numa sala de exibição.

Assistir a um filme perde a aura sagrada da ida ao templo (mesmo que uma sala de multiplex), da experiência coletiva. O jovem cinéfilo atual descobre obras como Rocco e seus irmãos (1960), de Luchino Visconti, comendo pizza durante as quase três horas de duração da obra, provavelmente sozinho, talvez de cuecas, diante do monitor de seu computador. No mínimo, essa era da superinformação já alterou as percepções. A memória afetiva de quem acompanhou os lançamentos dos filmes de Stanley Kubrick nos cinemas, através dos anos, não deve ser comparada à de alguém que viu todos eles num curto espaço de tempo, talvez ainda antes da idade adulta.

No mundo globalizado, padronizado, superinformado em que hoje vivemos, os processos de produção, exibição, distribuição e até da crítica de cinema já se encontram tão radicalmente reconfigurados, que nem mais parecem com o que um dia já foi conhecido como “fazer cinema”.

As facilidades das ferramentas digitais de produção e exibição são uma realidade, com o suporte celuloide em processo acelerado de aposentadoria. Nunca se produziram tantos filmes como agora, nunca houve tantos festivais e mostras de cinema, embora paradoxalmente cada vez mais pessoas assistam aos mesmos poucos filmes, numa agressiva padronização ditada pelo mercado. Mas a cinefilia, o amor ao cinema, persiste, transformada. O cinema não está morto. 

FERNANDO VASCONCELOS, designer gráfico, escreve sobre cinema em www.kinemail.com.br.

veja também

Alcir Lacerda: Exercício de documento, memória e identidade

ETS: Contatos imediatos nas salas de cinema

Os poderes do excesso no melodrama