Encabeçado por uma Jane Fonda bonita e esbelta em seus 67 anos, o filme revela outro parâmetro para futuras produções cinematográficas. Há algumas décadas, os atores ficavam velhos antes do tempo, as técnicas de “prolongar” a juventude eram precárias. A pressão por rostos espetaculares em Hollywood era tanta, na primeira metade do século passado, que uma estrela do porte de Greta Garbo decidiu afastar-se das telas, aos primeiros sinais de envelhecimento, com apenas 36 anos.
Em sua atuação mais recente, Meryl Streep, a grande dama do cinema americano, com 58 anos e algumas rugas orgulhosamente aparentes, protagoniza um dos maiores sucessos de Hollywood, Um divã para dois. Estrelado por ela e Tommy Lee Jones, o filme conta a história de uma casal passando da meia-idade, cujo casamento está estagnado. Insatisfeita, a esposa procura ajuda numa terapia para casais e daí a narrativa se desenrola.
Não se trata de um grande drama, nem de uma grande comédia. Mas Um divã para dois torna-se uma obra eficiente, cuja maior qualidade está exatamente nos protagonistas. As plateias reagiram de forma positiva e, durante a sessão, era possível ouvir diversas gargalhadas femininas, talvez de senhoras que estejam assistindo a experiências matrimoniais semelhantes às suas. Com apenas três semanas de exibição, a bilheteria do longa no Brasil já chegava a 382 mil pessoas, público significativo para uma produção de baixo orçamento. Para termos de comparação, no mesmo período, a comédia O que esperar quando você está esperando?, estrelada por Cameron Diaz e Jennifer Lopez, teve 432 mil pagantes, em cinco semanas.
FATIA CONSIDERÁVEL
Esses números podem significar que há um público ansioso por esse tipo de produção, que quer “se ver” nas telas do cinema e não apenas assistir aos dilemas referentes a outras faixas etárias. É uma plateia que tem poder aquisitivo, paga meia-entrada, entende o cinema como forma de diversão segura e saudável, e – melhor para a indústria – (ainda) não tem o hábito de “baixar filmes” e, muito menos, foi acostumada a vê-los no computador, características que a torna fiel, potencialmente. Uma pesquisa realizada em 2011, nos Estados Unidos, revelou que o espectador com mais de 60 anos representa 19% dos frequentadores de cinema – o que é uma parcela significativa, se compararmos com o restante da porcentagem, 14% (2-11 anos), 8% (12-17), 10% (18-24), 21% (25-39), 14% (40-49) e 14% (50-59).
E se vivêssemos todos juntos? aborda convivência de idosos. Foto: Divulgação
Esse despertar da indústria cinematográfica para a terceira idade está refletido, por exemplo, na filmografia da atriz queridinha do gênero ao qual podemos arriscar a denominação de “sessão da tarde da terceira idade”: Diane Keaton. A eterna musa de Woody Allen protagonizou um bem-sucedido filme que aborda o amor e o sexo após os 60 anos, Alguém tem que ceder. E de lá para cá, estrelou cinco produções de teor, digamos, leve. Agora, em 2012, aos 66 anos, ela estará em mais dois títulos, Darling companion e The big wedding, ao lado de Robert De Niro (69 anos), com estreia no Brasil prevista para dezembro.
Esses filmes apontam para uma questão inescapável: o que fazer com uma quantidade de excelentes e, sobretudo, experientes atores que se encontram acima dos 60 anos, sadios e bem-dispostos, com memória a todo vapor e – vá lá – bonitos? Não custa lembrar que a expectativa de vida aumentou bastante nos últimos 40 anos (segundo dados da ONU, em 10 anos, o mundo terá 1 bilhão de pessoas com idade acima dos 60 anos) e as tecnologias para manter a beleza estão cada vez mais aprimoradas.
Os diretores e roteiristas poderão ignorar nomes como Meryl Streep, Jane Fonda, Judi Dench, Helen Mirren, Julie Christie, Susan Sarandon, Jessica Lange, Kathy Bates, Holly Hunter, Jack Nicholson, Robert DeNiro, Al Pacino, Dustin Hoffman, Maggie Smith, Shirley McLayne, Julie Andrews, Vanessa Redgrave, Liza Minnelli, Diane Keaton, Sally Field? Com essa soma de estupendos atores envelhecendo, o mercado cinematográfico vai ter que optar entre colocá-los no limbo, em papéis secundários, ou produzir mais roteiros que possam inseri-los como protagonistas, num movimento que poderá ser inédito no cinema, principalmente o americano, sempre voltado para divas e galãs, jovens.
OSCAR
Nesse contexto, o Oscar pode ser um termômetro de como funciona a engrenagem da máquina cinematográfica: a maioria das mulheres indicadas ao cobiçado prêmio tem menos de 40 anos. Entre os agraciados, raramente um ator com mais de 65 anos recebe a estatueta. As exceções foram Katherine Hepburn e Henry Fonda, por suas atuações em Num lago dourado (1981), com 75 e 76 anos, respectivamente. Depois, em 1989, Jessica Tandy, aos 81, tornou-se a atriz mais velha a receber o prêmio, por Conduzindo Miss Daisy. A última ganhadora que ultrapassou os 50 anos foi Meryl Streep, com 58 primaveras, em 2012, pela interpretação da ex-primeira ministra Margareth Thatcher, em A dama de ferro.
Em O castelo animado, feitiço envelhece jovem. Imagem: Reprodução
Os temas que circundam a velhice podem tanto pender para a comédia quanto para o drama, e, neste caso, até render honrarias. A ansiada Palma de Ouro do Festival de Cannes, em algumas ocasiões, parou nas mãos de produções que abordaram questões relativas aos idosos, como A balada de Narayama (1983), Tio Boonme (2010) e, o mais recente, Amour, de Michael Haneke, previsto para estrear no Brasil no final de 2012 ou começo de 2013.
Ainda mais específico que o drama e a comédia, um outro gênero cinematográfico, a animação, também vem apostando na temática da velhice, com títulos aclamados pela crítica e pelo público, como o americano Up – nas alturas (produção da Pixar de 2010), o japonês O castelo animado (filme de 2004, do importante diretor Hayao Miyazaki) e os franceses As bicicletas de Belleville (2003) e O mágico(2010).
Em 117 anos de cinema, há poucas histórias da terceira idade projetadas nas telas, e algumas das melhores abrangem desde o drama existencialista do clássico Morangos silvestres (1957), de Ingmar Bergman, à amargura de O que terá acontecido a Baby Jane?, no duelo de Joan Crawford e Bette Davis, e à própria Bette no papel da azeda senhora de As baleias de agosto, contracenando com a ex-musa do cinema mudo Lillian Gish – ídolo de Greta Garbo que, mesmo superada pela própria fã durante os anos 1920 e 1930, seguiu exibindo seu talento (e rugas) até aos 94 anos.
Com essa ínfima quantidade de filmes, perdem os mais velhos, e também os jovens, que deixam de experimentar, ainda que de forma fictícia, um pouco de seu possível futuro. Se chegarem lá.
DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.