Igualmente milenar, a sabedoria oriental foi incorporada e popularizada, no que diz respeito à relação entre comida e bons presságios. Para grande parte dos ocidentais, o elemento comestível que mais corporifica essa “felicidade do acaso”, digamos assim, é o famoso biscoitinho da sorte, cuja origem remonta à China, há 800 anos, em uma circunstância de guerra. Para livrar parte de seus territórios do domínio do guerreiro mongol Genghis Khan, o exército chinês elaborou uma estratégia de ataque e de transmissão, que finalmente o levaria à reconquista das terras perdidas.
Tradição de preparo da lentilha no Ano-Novo nasceu na Itália. Foto: Divulgação
À época, havia um doce chamado de “bolo da lua”, cujo sabor era detestado pelos mongóis. Valendo-se disso, os chineses esconderam os planos bélicos dentro desses bolos, que foram enviados a todos generais. Por meio dessa ação, o povo chinês reconquistou sua autonomia, dando início à dinastia Ming. E, para comemorar tal feito, anualmente os chineses passaram a trocar mensagens de felicitação da mesma forma em que as mensagens secretas foram enviadas, dentro do que pode ser chamado de “bolinhos da vitória”. As frases que vêm dentro do biscoito normalmente são tiradas do I Ching, livro de sabedoria baseado na filosofia chinesa.
Mas não se encerra aí o casamento representativo entre comida e sorte para o povo oriental. O guioza, tipo de pastel japonês, é bastante popular e pode ser recheado com legumes ou carne de boi. “Na véspera do Ano-Novo, as cozinheiras colocam moedas dentro dele. Quem as encontrar terá mais sorte”, detalha o sushiman Yoshi Matsumoto, egresso de Nagasaki, no Japão. Já na China, uma curiosidade: mesmo no dia a dia, é importante não cortar o peixe nem retirar sua cabeça e, ao comê-lo, não virá-lo quando acabar a carne de cima, o que pode ocasionar má sorte nos negócios, acredita-se.
O Brasil não fica atrás quando o assunto é superstição alimentar. Por aqui, o ritual e a etiqueta à mesa estão permeados de simbolismos. No livro História da alimentação no Brasil, o escritor e folclorista Câmara Cascudo nos lembra alguma delas. “Comer despido é ofender o anjo da guarda. Comer com chapéu ou afins é deselegante. Quando cai comida no chão, da boca ou do garfo é sinal de parente passando necessidade. Não se levanta comida do solo porque é das almas. Vinho derramado é alegria. Sal derramado é agouro. Donzela não serve sal, não corta galinha, nem passa palitos. Beber sobejos é ficar sabendo dos segredos dos outros. Não se oferece o primeiro nem o ultimo bocado. Deve deixar-se sempre um pouco de comida no prato. Não se joga pão fora, é o corpo de Cristo. Antes de findar o repasto, não se cruza o talher. Donzela não deve ficar na ponta da mesa senão fica solteira. Dinheiro em mesa de comida provoca miséria.” E quem ousa contrariar uma desses ditados, tendo a profecia do povo como principal certeza?
EDUARDO SENA, jornalista.