SOMBRIO E RADIANTE
Apesar de toda a sua batalha na atual indústria fonográfica, cujo novo perfil ainda está se desenhando, Armando não se dobra ao caminho mais fácil. Isso está evidente nos 40 minutos de Técnicas modernas do êxtase. Nas 10 faixas, percorre-se trilhas sombrias, íngremes, mas, por vezes, radiantes. E nesse trajeto de intricados arranjos e letras bem estudadas o compositor exibe algumas amostras de seu estofo cultural, tecendo referências a variados nomes da literatura e da música.
A faixa de abertura, Litania do gozo, começa com uma marcação lembrando uma marcha fúnebre, o que pode assustar os mais fracos, mas ela é apenas um prólogo para o tema que é pontuado aqui e ali no disco, a morte. A partir de então, adentramos na música Homem da mata, na qual paira uma sutil e agradável atmosfera de Milton Nascimento e Tom Jobim. Na canção, o afinado cantor faz dueto com a intérprete italiana Cristina Renzetti. Em seguida, temos a primeira composição do CD que não é de autoria de Armando Lôbo, Matinta-Perêra, clássico do Amazonas, composto por Waldemar Henrique e Antônio Tavernard. A faixa faz um elo conceitual com a anterior e tem participação de Carlos Malta nas flautas.
Quando o disco começa a trilhar um percurso uniforme, Tempestade e ímpeto quebra a expectativa e mostra uma de suas primeiras surpresas, um galope dissonante, embalado em um rock herdeiro de Alceu Valença. Nela, Armando, responsável pelo violão de todo o disco, toca guitarra. Depois, surge a caribenha e dançante Canción de negros en Cuba, em que o instrumentista mostra seu talento como compositor, inserindo música no poema homônimo de Frederico García Lorca. A canção é do tempo da banda Santa Boêmia.
Em mais duas faixas, o artista utilizou poesias para, a partir delas, criar a sonoridade, como em Atrás das máscaras, com poema de Conde Belamorte, poeta soturno de quem faz um resgate, eCópula, a partir de versos de Santa Teresa d’Ávila e San Juan de la Cruz, na qual apresenta uma releitura da música medieval.
Diurno ou a noite dentro de uma fruta comprova a preocupação do compositor com o acabamento das obras. “Eu sempre tenho que fazer o arranjo, pois, para mim, a composição só termina nele. Na música erudita, a orquestração é parte da composição. Na música popular, não. Construção, de Chico Buarque, deve muito ao arranjo de Rogério Duprat. Aquele impacto que a letra tem, sem aquele arranjo, perde o sentido. O arranjo dramatiza o discurso musical”, afirma.
Para incrementar mais a diversidade desse disco, Armando, que é também cofundador do Frevo Diabo, grupo carioca que compõe e toca o ritmo pernambucano, inseriu o frevo de rua O crepúsculo do frevo, cuja letra provocativa relata a morte imaginária do gênero. A música foi construída a partir da abertura da ópera O crepúsculo dos deuses, de Richard Wagner.
Ainda num tom desesperançoso, mas belo, Armando Lôbo encerra o disco com a faixa Morte em Veneza, que traz uma “parceria” com Gustav Mahler (1860-1911), de quem fez uma adaptação doadagietto da Quinta sinfonia. A letra ambienta no Recife a tragédia do romance de Thomas Mann, retratada por Luchino Visconti no filme homônimo de 1971.
Essas tantas referências de Técnicas modernas do êxtase atestam uma frase que o músico pernambucano de 41 anos diz como uma filosofia de vida: “Quero ser como Stravinsky, chegar perto dos 90 anos ainda estudando”.
DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.