RICARDO TACUCHIAN
Compositor, professor e membro da ABM
Os conceitos musicais de paráfrase, paródia, citação, arranjo e transcrição, com diferentes nomes, vêm da Idade Média e, com o passar dos séculos, adquiriram significados mais ou menos diversos. Portanto, alterar a música de um compositor do passado, com o objetivo de torná-la mais simples para intérpretes iniciantes ou de mais fácil entendimento para um público pouco preparado musicalmente, não causa nenhum mal-estar. Já vi um operário da construção civil assoviando trechos da Ode à alegria, da Nona de Beethoven e, no entanto, ele nunca tinha entrado num teatro para assistir a um concerto sinfônico. O “culpado” foi um desses arranjos pop que andam por aí. Nada contra. Se a obra está em domínio público, o intérprete pode fazer o que bem entender da música. Depende de sua consciência estética e de seu preparo musical. Se, ainda, existe o direito de execução, o compositor ou o seu herdeiro poderá autorizar ou não uma versão interpretativa, diferente da original escrita pelo autor. No caso de Villa-Lobos, dezenas de “adaptações”, numa vertente popular, já foram feitas, algumas de bom gosto e outras execráveis. Cabe à Academia Brasileira de Música, como herdeira do compositor, autorizar ou proibir essas adaptações, mas sem ortodoxia, somente proibindo versões que, ao invés de divulgar a obra do maestro, deformam suas característica básicas. Assim, novos ouvintes podem ser conquistados para as versões originais. Muitas vezes, jazzistas improvisam, a partir de uma ideia de Villa-Lobos, com resultados magníficos. Numa sala de concerto ou numa gravação de orquestra sinfônica ou de recital de música clássica, o texto original deve ser preservado. Em quaisquer circunstâncias, a obra nunca deve ser apresentada ao público sem uma ressalva de que se trata de um arranjo ou não, mesmo com a autorização do compositor ou de seu herdeiro. O ouvinte precisa ser prevenido do que está ouvindo, assim como o consumidor precisa saber que o produto “não contém glúten”. Quando o público vai ao teatro ouvir uma orquestra sinfônica ou um recitalista clássico, ele quer a obra original. Ele não quer uma sinfonia de Mozart com um “reforço” de trombones, ver e ouvir A Valquíria com cantores vestidos de terno e gravata ou uma peça de Villa-Lobos acompanhada por bateria de escola de samba. A arte é a arena da liberdade, desde que preservados os direitos do compositor e do público. E ninguém gosta de comprar gato por lebre.