Foto Beatriz Meunier/Divulgação
Embora seja um lugar-comum falar em identidade latino-americana, uma primeira reflexão sobre o conceito suscita determinados questionamentos. Em uma região de vasta extensão e descontinuidades geográficas caracterizada por uma pluralidade de idiomas, de culturas e, principalmente, por acentuadas assimetrias socioeconômicas, a ideia de uma identidade transnacional ligando cidadãos de variadas nações se contrapõe à constatação de que diversas Américas Latinas coexistem, por vezes, conflituosamente.
No entanto, acontecimentos históricos convergentes e uma base cultural de influência europeia, indígena e africana unem os países latino-americanos. De fato, seus habitantes vivenciaram histórias semelhantes de colonizações, dependências e esforços direcionados ao objetivo comum de autonomia. Particularmente, observa-se que, na América Latina, a consciência regional precedeu as próprias construções nacionais, como consequência dos movimentos de independência que, no século 19, conceberam a união das partes como amparo às suas emancipações.
No contexto da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), iniciativa de integração criada em 2008 pela Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname e Guiana, percebe-se uma tendência geral nos líderes nacionais relacionados à política exterior a referirem-se, em seus pronunciamentos, à identidade sul-americana e a seus símbolos históricos como meio de legitimação da organização regional. Tal identidade sul-americana vem substituindo, nesses discursos, a latino-americana, em um movimento estratégico de delimitação de novos quadros geográficos prioritários para a política externa dos países membros.
Mas esses argumentos identitários corresponderiam efetivamente ao esforço de construção de um projeto político comum ou, ao contrário, tratar-se-ia apenas de uma tendência dos políticos latino-americanos ao “realismo mágico”? Os próximos anos de desenvolvimento institucional e atuação da Unasul fornecerão uma resposta. De antemão, observa-se que os argumentos identitários ecoam apenas na parcela das populações sul-americanas com acesso à educação, à informação e à cultura – minoritária nesses países. Se a consolidação de uma identidade regional sul-americana é, realmente, um projeto político de seus líderes nacionais, sua efetivação deve passar necessariamente pela concepção de políticas públicas culturais que levem em conta as desigualdades da região. ![]()
ISABEL MEUNIER, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.