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Viajando para viver

TEXTO Fernando Augusto

01 de Maio de 2012

Fernando Augusto

Fernando Augusto

Foto Lú Streithorst/Divulgação

"Não viajamos para chegar, viajamos para viver”, assim J.W. Goethe descreve o elemento essencial que anima a alma do viajante e o propósito de toda viagem: viajar para descobrir, para conhecer, para se animar, para viver. Com esse espírito, é que, no período de 11 a 23 de janeiro 2012, embarco em um navio hospitalar da marinha brasileira para subir o Rio Madeira, de Manaus a Porto Velho, com o propósito de acompanhar o trabalho de atendimento médico que a instituição faz à população ribeirinha; de conhecer um pouco os diversos cenários amazônicos e de exercitar uma prática muito presente na formação de nossa cultura: a do artista viajante, aquele que sai para ver, descobrir, desenhar o que viu e criar imagens de uma geografia distante, desconhecida, imaginada, falada.

Navio Carlos Chagas, uma jornada de 12 dias de navegação, ida e volta. A tripulação, a cada momento, me pergunta qual é o meu trabalho e por que desenho. E se admiram das imagens que vou produzindo. Aos poucos, eles próprios querem se ver retratados e, por fim, quando dou uma pequena palestra para eles na praça d’armas (sala de reunião dos oficiais), participam com perguntas efusivas e agradecem pelo ensinamento. Perguntam como é retratar uma paisagem usando somente lápis e parecem só acreditar que linhas e rabiscos se tornam paisagens porque as veem nascer. Eu também me pergunto o que é desenhar e, talvez por isso mesmo, desenho todo o tempo da viagem: os objetos, as pessoas, o céu, a água, a paisagem. Encontro no desenho o animador da vida diária.

Nas várias comunidades em que o navio ancora para prestar atendimento, desço para conhecer e desenhar. Assim é que, num clima descontraído, vou desenhando árvores, nuvens, crianças, homens e mulheres que encontro. De uma forma geral, eles se divertem com a situação e sorriem ao se verem retratados. Tento registrar o que vejo e o que encontro em imagens gráficas, mas tudo desaparece, mal chega a materializar-se. Então crio imagens que se ligam àquelas, mas que me dizem algo a respeito do existir. Aprendo que guardar uma imagem é inventá-la.

Artistas viajantes são aqueles cuja produção encontra-se ligada ao ato de viajar, e cujo trabalho de cunho documental comunica deslocamentos no espaço, descobertas de paisagens e tipos humanos. Eu vim para responder o que é desenhar viajando? Que possibilidades tem o desenho hoje, nessa senda que ele próprio ajudou a construir, face à fotografia digital e às novas tecnologias? 

FERNANDO AUGUSTO, artista plástico e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e pela Université Paris I – Saint Charles – Sorbonne.

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