Arquivo

Galinhos: Com espírito de “aventura”

Embora haja muito a fazer para acomodar bem o turismo, a praia potiguar oferece raro bem-estar aos viajantes, com suas belezas insólitas

TEXTO E FOTOS FRED NAVARRO

01 de Maio de 2012

A 160 km de Natal, Galinhos caracteriza-se como uma praia com elementos naturais de cerrado e caatinga

A 160 km de Natal, Galinhos caracteriza-se como uma praia com elementos naturais de cerrado e caatinga

Foto Fred Navarro

A distância Natal a Galinhos é de apenas 160 quilômetros para noroeste, mas o tempo de percurso a partir da capital do RN atinge três horas com facilidade. Motivo: a confusa e congestionada saída norte da cidade. Com a inauguração, prevista para 2013, do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, haverá uma passagem “por fora” tanto para os turistas quanto para quem mora em Natal. Percorra esse trajeto de 160 km com a paciência de um monge em meditação, porque há atrativos no caminho.

Primeiro: apesar de paralelos ao litoral, a geografia e o elemento humano predominantes ao longo da RN-406 (em direção a Macau e Mossoró e, depois, Fortaleza) mesclam elementos do cerrado e do sertão em dosagens bem proporcionadas. Transpostos para o agreste pernambucano ou para o sertão baiano, aqueles homens e mulheres não destoariam da paisagem. O tipo caboclo, moreno e forte, acha-se presente à beira da estrada, nos postos de gasolina, nas lanchonetes e onde quer que se pare.

Avançando rumo ao oeste sem distanciar-se muito do litoral, ao norte, a estrada deixa entrever, nas margens, as típicas plantas baixas e rasteiras que reinam longe das praias nordestinas, uma vegetação escassa que se estende irregularmente em direção à praia e ao mar, convivendo com raros coqueiros e variedades diversas de cactáceas.


O acesso mais comum para a localidade são balsas e barcos que fazem translado de Pratagil, no continente

Na memória, vamos buscar um antigo registro de Luís da Câmara Cascudo: em algumas áreas do Rio Grande do Norte, o sertão só termina à beira-mar, o que é fato singular, raríssimo, no Brasil, escreveu o mestre potiguar.

Passamos pelos municípios de Ceará-Mirim, João Câmara (e seus periódicos tremores de terra) e Jandaíra. Uma placa e um trevo, 15 km depois, apontam a RN-402, rumo a Galinhos. Percorridos mais 30 quilômetros, lagunas e margens de rios, repletos de salinas, com seus flocos de espuma de sal ao sabor do vento, destacam-se na paisagem e só terminam num estacionamento em Pratagil, num braço de mar que todo mundo insiste em chamar de rio. Fim da estrada e do continente. Os carros ficam ali, só atravessam pessoas, malas, objetos, mercadorias.

Galinhos está do outro lado, a 10 ou 12 minutos de barco. Se o visitante estiver num buggy ou num veículo de tração 4 x 4, terá de seguir alguns quilômetros adiante para cruzar o rio em áreas elevadas e chegar à península, dependendo dos horários de mudanças das marés.

CONTRASTES
Galinhos reúne belezas difíceis de serem encontradas num só lugar, e esse é o motivo do impacto à primeira vista. Não há quem resista à mistura de praias desertas, águas mornas, areias brancas e finas, dunas de médio e grande portes, morros e pirâmides de sal, rios e manguezais sem fim, fauna e flora intocadas, e um cotidiano de cidade pequena do interior em que o principal meio de transporte é uma charrete rústica puxada por uma burrinha. Lá, só há duas ou três ruas calçadas, inclusive a da prefeitura. O resto da cidade está erguido sobre o areal, que é a continuidade da areia branca que fica entre a praia e o rio.


É possível acessar Galinhos de carro, mas moradores e visitantes se locomovem em charretes

O nome do lugar, diz a tradição, teve sua origem nos pequenos peixes-galos (do gênero Selene, com o corpo alto e comprimido) que habitam os recifes da península, que fica na região salineira chamada Costa Branca e inclui a cidade e a praia de Galinhos ( 1.200 habitantes), a praia de Galos (500 habitantes), e um assentamento de 400 habitantes (IBGE, 2009). Quase todos vivem da pesca, do extrativismo (caju, coco e sisal), da indústria do sal e, mais recentemente, do comércio e do turismo. Esse último dá os primeiros passos e tenta andar com firmeza, esforçando-se para aprimorar os serviços oferecidos nas pousadas e ampliar as opções de passeios para os visitantes.

Há muito para fazer, desde a colocação de placas de sinalização (por exemplo, uma atraente faixa de praia, por trás do farol, tem correntes marítimas perigosas) até o reabastecimento do camarão, prato de resistência do lugar, que falta de repente no auge do verão, e leva dias ou semanas até reaparecer nos restaurantes e pousadas. A água ainda é salobra, sem tratamento, obrigando moradores e turistas a fazer mágicas para tomar um banho rápido com água mineral depois do banho “normal”.

Ponha tudo isso na conta “aventura” e se deixe levar pela beleza insólita, única, do lugar.

A vegetação, à beira-mar ou às margens dos rios, conta com manguezais nativos e intocados, bem próximos da cidade, meia hora de caminhada. Mais à frente, em áreas isoladas da península, cactáceas e pequenas plantas típicas do sertão e da caatinga são encontradas com facilidade: xique-xiques, facheiros, catingueiras, faveleiros e marmeleiros. Acredite: tudo isso numa península, à beira-mar.


Dunas, braços de mar e rio, salinas, faróis, manguezais, vegetação nativa e intocada são alguns dos atrativos do lugar

E, por toda parte, um espetáculo visual que, às vezes, lembra um passeio pelo Rio Paraguai, em pleno Pantanal: isoladas ou em bandos, nos céus ou sobre os rios e mangues, desfilam garças brancas e azuis, marrecas, flamingos, águias-pescadoras, maçaricos e gaivotas.

As dunas do André e do Capim, principalmente, estão entre as mais bonitas do Estado, e saibam que a concorrência não é pequena. Acessíveis pelo rio ou pela praia, são de enorme impacto visual pela extensão, altura e formas que o vento altera arbitrariamente. Não há muito o que falar sobre elas. É preciso vê-las.

FAROL DE CINEMA
E, por fim, um detalhe desses que costumam fazer a diferença: Galinhos tem um dos faróis mais charmosos do Nordeste, com praias desertas que se perdem de vista, à direita e à esquerda. Detrás dele, uma lagoa temporária (chamada também de gamboa ou maceió) faz a festa de crianças e casais de namorados, com as alterações constantes de tamanho, formato e profundidade, que ocorrem diariamente com as mudanças das marés.

Em frente ao mar, pescadores experientes protegem-se do sol e das espumas de sal com exóticas roupas plásticas. Barcos passam ao largo, a caminho de Guamarés e de suas torres de energia eólica, do outro lado, no quase já esquecido continente.

A exemplo do que acontece em Fernando de Noronha (a pouco mais de 400 km, a nordeste dali), uma estada em Galinhos faz as pessoas esquecerem as coisas que em boa hora deixaram para trás. Esses lugares ainda meio escondidos, esquecidos pelos mapas, onde o vento faz a curva, atrás de caixa-pregos, costumam ser carimbados de “um pedaço do paraíso”. Não adianta resistir ao lugar-comum. É exatamente isso o que eles são. É exatamente isso o que Galinhos é. 

FRED NAVARRO, jornalista e escritor.

veja também

Viajando para viver

A memória da arte circense no Brasil

Strinberg: Inquietação e pessimismo