É justamente aí que encontramos o sentido do título do livro, no original, Théâtres en capitales – naissance de la société du spectacle, Paris, Berlin, Londres, Vienne 1860-1914, lançado na França em 2008. Um estudo comparado que torna palpável – pela apresentação de estatísticas, números, percentuais; e pelo cruzamento desses dados e de suas comparações – a realidade das relações de trabalho dos profissionais do setor naquelas décadas. A pesquisa de Christophe Charle se interessa por aquilo que é mais material, que dá sustentação ao teatro como meio artístico e local de produção. Nesse sentido, ele antagoniza com estudos que destacam certos agentes que se tornaram ícones, referências. Interessa-lhe a regra, não a exceção.
Assim, nesse livro, deparamo-nos com informações geralmente pouco valorizadas em estudos sobre teatro como: Qual era a formação dos diretores teatrais? Quantos deles tinham educação básica ou eram universitários? A que classe social pertenciam? De que regiões eles vinham? As mesmas questões também são postas para atores e atrizes. Para entender as distinções entre casas de espetáculos (comerciais ou alternativas, óperas, operetas, cafés-concertos) e seus públicos (mais ou menos intelectualizados, endinheirados), o autor mapeia os bairros e regiões das cidades estudadas em que elas mais ocorrem, quais as suas capacidades, que investimentos são necessários para erguê-las e – o mais difícil – mantê-las. Desse modo, observamos as cidades e seus habitantes a partir do teatro, uma perspectiva instigante, um olhar de fora para dentro, como se acompanhássemos o autor em voo planador, vendo tudo numa perspectiva ampla, que nos leva ao entendimento estrutural da sociedade do espetáculo.
Junto com Charle, somos levados a desmistificar as figuras de proa – os produtores tiranos, os autores cerebrais, os diretores intocáveis, as atrizes divas, os salamaleques que iludem parte do público – que a história do teatro acaba por enaltecer, porque a elas se refere isoladamente, muitas vezes, sem considerar os contextos em que esses protagonistas estão imersos e dos quais emergem. Nesse estudo, atentamos para o conjunto, a massa de homens e mulheres que escolheram as artes cênicas como profissão e, dentro dela, tiveram que se submeter às suas regras, fossem elas objetivas – e, aqui, os aspectos econômicos são determinantes – ou subjetivas.
ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.