O autor de Arte ou desastre, de forma erudita e arguta, basicamente defende a importância e a referência da tradição e do cânone no processo de valoração artística. Um ponto, no entanto, merece atenção: Monteiro, por vezes, parece emprestar a tais valores um caráter universal, um fundamento transcendental e, portanto, não histórico e não contingente. A tradição, porém, não é algo estático, transmitido de forma imutável de uma a outra geração, mas, ao contrário, tem uma dinâmica interna motivada por conflitos. Assim, só no horizonte das histórias de nossas tradições é que podemos compreender nossos compromissos e preferências estéticas e éticas. O valor artístico, pois, finca suas raízes através não da determinação autoritária de um cânone fixo e imutável, mas do diálogo e das polêmicas; da confrontação permeável e sensível desse cânone e de seus valores com os da cultura presente; é a mobilidade do cânone e a sua inesgotável adaptabilidade que garantem a sua aparente eternidade através das gerações, o que depende da mediação igualmente permeável e sensível dos críticos.
Os ensaios de Ângelo Monteiro, ainda quando discordamos de alguns pontos de sua argumentação, fazem jus em todo caso a um dos ideais inalienáveis da crítica: o da confrontação, da não aceitação dos valores já estabelecidos. São sugestivos, polêmicos, arriscados: cumprem sua função intelectual porque a crítica de arte não tem que buscar certezas últimas, tem que propor valores, ainda que saibamos que nunca chegaremos a um consenso universal sobre eles. E em uma época de desorientação como a nossa, o papel do intelectual como crítico ganha relevo. Toda crítica é uma espécie de confronto entre as obras realizadas e a vida presente e suas exigências: uma petição de pertinência que a vida concreta faz à arte.
EDUARDO CESAR MAIA, jornalista, mestre em Filosofia e doutorando em Letras.