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Barroco recifense pelo traço estrangeiro

Livro do arquiteto espanhol José Maria Plaza Escrivá registra em desenho 15 monumentos da capital pernambucana

TEXTO Danielle Romani

01 de Fevereiro de 2012

A Catedral de São Pedro dos Clérigos foi registrada em desenho e num mosaico de 1 x1,60m

A Catedral de São Pedro dos Clérigos foi registrada em desenho e num mosaico de 1 x1,60m

Imagem Reprodução

O arquiteto espanhol José Maria Plaza Escrivá se denomina um viajante desenhador, a exemplo dos artistas que integravam as comitivas que desbravaram o Novo Mundo, na Era das Navegações, ou como fizeram os historiadores da Antiguidade. Há décadas, costuma percorrer roteiros históricos, na Espanha e na América do Sul, para registrar, in situ, a beleza de lugares e cidades ibero-americanos que foram eleitos monumentos patrimônios da humanidade .

Foi assim com os Caminhos de Santiago de Compostela – subdivididos em diversas rotas, como o Caminho Francês, a Ruta de la Plata, o Caminho Português, o Caminho Primitivo e do Norte e o Caminho do Mar. O mesmo aconteceu com o Itinerário da Constituição Espanhola (que se divide entre Cadiz e São Fernando), além de roteiros históricos de Portugal e da cidade de Córdoba.

Ao visitar a América do Sul, que tem óbvias raízes hispânicas, o misto de arquiteto e desenhista registrou as estâncias e as missões jesuíticas da Argentina e do Paraguai. No Brasil, percorreu e desenhou a arquitetura histórica do município de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul. Também já flagrou prédios e fachadas de Olinda e de São Luís. E se prepara para percorrer a Estrada Real, no trecho situado em Minas Gerais. Em todos os casos, os trabalhos confeccionados originalmente em papel A-3, com caneta nanquim, são transformados em livros, cadernos de desenho, exposições, painéis em mosaico, entre outras formas de expressão artística.

A nova empreitada de José Maria Plaza Escrivá, em parceria com a arquiteta descendente de espanhóis Sandra Paro, poderá ser conferida entre os dias 2 de fevereiro e 16 de março, na sede do Iphan/PE, no Palácio da Soledade, zona central do Recife. Na abertura da mostra, será lançado o caderno de desenhos Arte em Recife: um itinerário barroco, que disponibilizará informações sobre o acervo recifense.

No livro, estão registrados 15 desenhos (14 passíveis de emoldurar) produzidos nas ruas da capital pernambucana. A exposição tem o apoio do Instituto Cervantes, da Embaixada da Espanha, da Fundação Artístico Cultural Iberoamericana e da Cepe Editora.


Os monumentos recifenses, como o Palácio da Soledade, apresentam unidade arquitetônica. Imagem: Reprodução

“A proposta, enquanto livro, é inusitada. Como se trata de lâminas, você pode ler coletivamente, cada um pode se entreter com uma página, ou optar por fazer quadros”, explica Sandra Paro, curadora da exposição recifense e parceira de José Maria nessa e em outras empreitadas, através da realização de mosaicos que reproduzem os desenhos dos cadernos.

Para José Maria, o trabalho no Recife foi cheio de situações inusitadas. Durante a confecção dos desenhos, a maioria deles produzida nas ruas dos bairros centrais, o artista foi assediado por populares que demonstraram toda a cordialidade e curiosidade do povo pernambucano. “As pessoas se amontoavam perto dele, curiosas com a produção das obras. Os trabalhos foram pautados, sempre, por esse clima de ‘festa’. Essa simpatia do povo ficou muito clara durante a realização do projeto”, conta Sandra.

ACERVO
O arquiteto-desenhista também ficou impressionado com o acervo que registrou. Prédios como o Convento de Nossa Senhora do Carmo, Igreja da Penha, Forte das Cinco Pontas, Matriz do Santíssimo Sacramento, entre outros, revelaram um patrimônio rico e preservado.

“Nos séculos 17 e 18, o Brasil era considerado o Portugal de Ultramar e seus bens culturais eram prolongamento dos realizados na metrópole. O barroco encontrado aqui é herdeiro do estilo manuelino, influenciado por um entorno cheio de vegetação farta e exótica. Foi depois da expulsão dos holandeses que se iniciou um verdadeiro fervor religioso, e se disseminou a construção de igrejas e conventos, seja por parte do clero secular quanto das ordens religiosas”, explica o arquiteto espanhol.

Ele chama a atenção, ainda, para uma característica bem peculiar do acervo local. “O barroco do Recife se destaca pela bela composição de suas fachadas e frontispícios de suas igrejas e conventos, pelo delicado entalhe de seus altares barrocos, de estilo rococó, e praticamente pela ausência de imaginária, ficando a decoração interior reservada à azulejaria, fato que só foi possível devido à localização portuária da cidade”, explica José Maria.

O arquiteto também destaca que o barroco pernambucano é diferente daquele encontrado na Bahia ou no Caminho do Ouro. Diz ele: “Aqui, encontra-se uma surpreendente unidade nas construções, devido ao fato de elas terem sido erguidas em um espaço de tempo relativamente próximo”.


O barroco recifense apresenta belas fachadas e frontispícios, como os da Basílica e do Convento de Nossa Senhora do Carmo. Imagem: Reprodução

Profundo conhecedor do patrimônio nacional, José Maria destaca, entretanto, dois conjuntos que o impressionaram e que considera incomparáveis. No tocante ao patrimônio material, lembra a obra produzida por Aleijadinho, em Congonhas, Minas Gerais. “Os 12 profetas e o interior das capelas da Basílica do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos, com suas belas esculturas e imaginária, são inigualáveis”, diz.

No que se refere ao patrimônio imaterial, cita a música barroca do centro da Europa que, no século 18, era interpretada pelos índios guaranis, originários do atual terreno de Missões, de São Miguel dos Sete Povos, no Rio Grande do Sul. “Esse acervo foi recuperado e é interpretado pelo Coro de Música da Catedral de Pamplona, dirigido por Don Aurelio Sagaseta. Ele pode ser ouvido num CD e foi registrado num livro coeditado pela Editoria Unisinos y Delphi Edições. Chama-se São Miguel das Missões, arte e cultura dos sete povos. Todo brasileiro deveria ouvi-lo.”

DESENHO E MOSAICO
O encontro entre José Maria e Sandra Paro tem rendido uma parceria ímpar. Desde que se conheceram, durante o lançamento do caderno sobre a Constituição Espanhola, no Instituto Cervantes, no Recife, a dupla trabalha com a união da arte do desenho à do mosaico.

A principal finalidade da parceria é difundir as culturas da Espanha, Portugal e Brasil, através da Fundação Artístico Cultural Iberoamericana, que está sendo constituída no Recife. “Para cada itinerário que ele percorre, nós executamos um painel em mosaico artístico, para que esses desenhos, junto com os painéis, sejam expostos. A ideia é que eles sejam mostrados em grandes portais, como aeroportos, portos, enfim, lugares públicos, a fim de que todos tenham conhecimento das nossas belezas e memória histórica”, explica Sandra, que produziu para a exposição pernambucana uma réplica, em mosaico, do desenho da fachada da Catedral de São Pedro dos Clérigos, localizada no Pátio de São Pedro. A obra tem 1m x 1,6m. Ela lembra que, desde o final de janeiro, o trabalho realizado por José Maria na cidade gaúcha de Missões está sendo mostrado em exposição na Espanha e que dentro de alguns meses será lançada outra mostra com os desenhos produzidos em Olinda.

O mosaico, ressalta Sandra, vem ajudando comunidades pobres do Recife a gerar renda e emprego. Paulista de nascimento e pernambucana de coração, desde que chegou à cidade mantém um ateliê no Bairro do Pina, onde emprega – dependendo do trabalho – uma equipe entre três e 20 pessoas da comunidade do Bode.“Tenho que estar sempre criando possibilidades de trabalho, para não perder essa mão de obra tão especializada e carente.” 

DANIELLE ROMANI, repórter especial da revista Continente.

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