“O fato é que aqui e ali, na imprensa em papel, há ótimos cronistas – para citar alguns: o grande Ivan Angelo, infelizmente restrito aos leitores do suplemento paulistano da revista Veja; Luís Fernando Veríssimo, em suas diversas publicações; Joaquim Ferreira dos Santos, nO Globo; Antonio Prata, na Folha de S.Paulo; Luís Henrique Pellanda, na Gazeta do Paraná; Joca Souza Leão, no Jornal do Commercio, do Recife; Eduardo Almeida Reis, no jornal O Tempo, de Belo Horizonte”, continua Werneck.
PUBLICAÇÕES
A crônica tem pautado, sobremaneira, a agenda de Werneck nos últimos meses. Primeiro, foi seu livro de crônicas, Esse inferno vai passar, publicado pela Arquipélago Editorial. Em seguida, assinou a reedição dos textos de Otto Lara Resende, publicados na Folha de S.Paulo, para a Companhia das Letras. Sua assinatura foi responsável pela elogiada coletânea Boa companhia, também da Companhia das Letras, que reuniu gerações tão diversas de cronistas como Danuza Leão, Antonio Prata e, claro, Rubem Braga.
Nessa coletânea, Werneck destaca que o grande sucesso foi o texto de Paulo Mendes Campos, O amor acaba, escolhido justamente para fechar o volume. “Esse texto caiu na internet, virou uma espécie de manifesto. Como tantas outras crônicas de Paulo Mendes Campos, continuará a ser lido e admirado pelo tempo afora. O cronista é a face mais visível do ótimo poeta que ele foi. Digamos que o cronista obscureceu o poeta. Mas é pela crônica que está se dando a (re)descoberta desse escritor tão dotado e tão preparado para o seu ofício. Raros cronistas foram mais versáteis que Paulo Mendes Campos. Várias de suas crônicas são peças de ficção. Algumas, poemas em prosa. Outras, pequenos ensaios. Tudo isso banhado num lirismo e num senso de humor de primeira ordem. Tenho a impressão, que é também esperança, de que o leitor que mergulhar nas crônicas de Paulo Mendes Campos acabará chegando à sua obra poética em versos”, destacou Werneck.
Humberto Werneck está envolvido em vários trabalhos em torno da valorização da crônica. Foto: Divulgação
Foi a leitura de nomes como Paulo Mendes Campos que inspirou o editor Tito Montenegro, da Arquipélago Editorial, a criar um selo voltado ao trabalho dos cronistas, o A arte da crônica. “A ideia de publicar esse gênero é antiga e remonta ao meu passado como leitor. Muito da minha formação se deu com os livros da coleção Para Gostar de Ler, especialmente os volumes desses textos, que eram os que eu mais gostava. Ali eram publicados grandes nomes, como Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino e Rubem Braga. Também, nessa fase, li muitos livros de crônicas do Luís Fernando Veríssimo. No ano passado, a ideia de publicar esse gênero literário foi retomada e se desenvolveu a partir de conversas minhas com dois dos nossos autores, a Eliane Brum e o Humberto Werneck. Fizemos a escolha da publicação de uma coleção para valorizar o gênero como matéria literária A coleção procura dar conta do que está sendo feito de melhor na crônica contemporânea, sem restrições geracionais, geográficas, estilísticas e temáticas”, observa Tito.
O editor acredita que o bom momento do gênero literário no mercado editorial só tende a crescer: “Temos um bom número de cronistas que chegam à categoria de best-sellers, como o próprio Veríssimo, por exemplo. Nos jornais, os cronistas são muito lidos. Os livros da nossa coleção vendem bem, têm espaço nas livrarias. Acho que é um gênero muito importante para o circuito literário brasileiro. E quero acreditar que também seja importante para a formação de novos leitores e para o deleite dos leitores experientes.”
O selo comandado por Tito procura trazer cronistas dos mais diversos estilos, tentando balancear inovação e tradição. “Sim, procuramos fazer um balanço, mas não só entre novos e antigos. Há muitas diferenças, por exemplo, entre as crônicas do Humberto Werneck, do Luis Henrique Pellanda e do Ivan Angelo, os três autores já lançados na coleção Arte da crônica, mas prefiro ressaltar as semelhanças: todos eles têm um olhar agudo sobre as coisas do cotidiano e são capazes de transformar ‘a vida ao rés do chão’, como dizia o Antonio Candido, em literatura de alta qualidade. Também acho que os três são excepcionais em construir seus personagens. Talvez, tirando isso, seja tudo o mais diferente entre eles. Pode ser que aí esteja a graça da coleção”, comentou o editor.
A Companhia das Letras lança obra de Otto Lara Resende. Foto: Divulgação
A CIDADE
No ano passado, quando foram comemorados os 100 anos de nascimento de Mauro Mota, uma das facetas mais comentadas do escritor foi justamente seu trabalho como cronista no Diario de Pernambuco. A Cepe Editora organizou um volume resgatando os textos do autor, publicados entre os anos 1960 e 1980, numa coluna chamada Agenda.
Mauro Mota foi um representante célebre do mote “o cronista da cidade”, alguém que assumia a voz do leitor no compromisso de investigar as questões urbanas. “Todo cronista é, de alguma maneira, um cronista da cidade que habita, da cidade do jornal que ele escreve. Se a matéria da crônica é o cotidiano — de que o cronista pretende tirar lições que nos levem a refletir sobre a nossa existência e o mundo que nos circunda —, em geral, este cotidiano é o da urbe do cronista. Mesmo os grandes cronistas nacionais — aqueles que alimentam o seu gênero com os grandes temas nacionais —, a exemplo de Machado de Assis, Otto Lara Resende, Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony e Paulo Mendes Campos, não deixam de fazer uma ponte entre o nacional e o local ou vice-versa”, destaca Anco Marcio Tenório Vieira, professor do Departamento de Letras da UFPE.
“O Recife possuiu grandes cronistas, que tinham como objeto o seu cotidiano: Renato Carneiro Campos, Mauro Mota, Nilo Pereira, Ronildo Maia Leite e Paulo do Couto Malta, para ficarmos nos grandes nomes da segunda metade do século 20. Por meio de suas crônicas (gênero eminentemente jornalístico, pois nasceu, desenvolveu-se, encontrou a sua forma, e só cumpre sua missão plena dentro de um órgão de imprensa), o Recife pôde encontrar os seus ‘filósofos’ do cotidiano, homens que o psicanalizaram e, por esse meio, tentaram se entender, como também o seu próximo e todos os sonhos que a sua cidade encerrava em mais de quatro séculos de história. Poucos retratos do Recife foram tão cirúrgicos como aquele que encontramos na crônica Recife, escrita por Renato Carneiro Campos, nos anos 1970. Renato, nessa crônica, não apenas revela o seu amor e o seu ódio pela cidade onde viveu, mas tenta ser o intérprete dessa relação de amor e ódio que nós, seus leitores e moradores do Recife, temos com o cotidiano que nos cerca. E a cidade em que vivemos não poderia ficar incólume a esta relação (amor/ódio) que só Freud explica e, por extensão, os psicanalistas das massas: o cronista”, conclui o professor.
SCHNEIDER CARPEGGIANI, jornalista, editor do suplemento Pernambuco e doutorando em Literatura.