CONTINENTE Você acredita no empenho das pessoas em tirar as próprias conclusões?
ANA MARIA BAHIANA Sempre me enervou muito ser passiva no consumo de cultura, o que me torna um dinossauro hoje em dia, porque estamos vivendo uma era de passividade. Fico pasma com a possibilidade de você manipular tão bem uma quantidade grande de pessoas. Existem vários produtos cinematográficos que não têm outro mérito, a não ser apertar os botões dos espectadores, e eles sabem quais apertar. O público não percebe, mas gosta disso. Falta essa capacidade de se descolar do mundo, questioná-lo. Gosto de provocar o descolamento.
CONTINENTE Falar em “era da passividade” é curioso, quando a internet se tornou popular e a palavra da vez é “interação”.
ANA MARIA BAHIANA Gosto da interação que a internet permite. Até porque a maior parte da minha produção hoje é na internet. Gosto de responder aos comentários dos leitores. Respondo, jogo a bola de volta ao campo deles. Compreendo, quando alguém diz que gosta ou não gosta de um filme, mas não exatamente por quê. Não sei se teria essa paciência, se tivesse a formação acadêmica de um crítico. Possivelmente, seria mais aguerrida.
CONTINENTE O quão importante é deixar que o público entenda o processo de realização de um filme?
ANA MARIA BAHIANA Acho muito importante contextualizar. Não há muita noção de como os filmes nascem. E o seu processo de realização, do argumento à exibição, determina a forma final que ele terá. A mesma ideia pode acabar sendo Transformers 18 ou ganhar o Festival de Cannes. Sem exagero. Tudo depende desse monte de encruzilhadas no caminho, que é fascinante: se é escolhido um diretor autoral ou um profissional, se vai ser um filme de US$ 100 milhões ou de US$ 10 milhões, se vai ser rodado dentro do estúdio ou em locação. Cada uma dessas encruzilhadas dá cara ao filme, e gosto de saber disso. Nenhum filme existe no vácuo, alguém tem que pagar por ele, mecenas, governos, investidores ou grandes empresas, como estúdios e distribuidores. E o modo como ele vai ser custeado vai defini-lo.
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CONTINENTE É o processo, então, que a seduz?
ANA MARIA BAHIANA Sim, totalmente. Há muito tempo, perdi a conta de quantos sets de cinema já visitei. Eu era o tipo de pessoa que, enquanto meus colegas jornalistas iam entrevistar as estrelas do filme, ficava para trás e ia conversar com o eletricista, com o chefe dos maquinistas. É o processo e o engajamento que me fascinam.
CONTINENTE Que tipo de pessoa lê sobre cinema?
ANA MARIA BAHIANA Acho que existem dois tipos. O fã absoluto, que lê tudo sobre aquilo que ele gosta. E a pessoa que vai sair de casa para ver um filme e quer saber um pouco mais sobre ele. Essa última só se interessa pela classificação.
CONTINENTE Você gosta de ler crítica de cinema?
ANA MARIA BAHIANA Não, não gosto de ler crítica nenhuma. Gosto de ler alguns autores, como a Manohla Dargis (NY Times), Anthony Lane (New Yorker) e Todd McCarthy (Variety), porque os conheço, sei da trajetória e da formação deles, e, sobretudo, escrevem muito bem. A Manohla, por exemplo. Volta e meia discordamos completamente, mas nunca consigo ficar irritada com ela, porque entendo em que discordamos e adoro seu senso de humor. Tirando esse pequeno grupo, de modo geral, procuro não ler críticas. A coisa que mais adoro é ir para um festival. Porque, quando você vai a um deles, ninguém sabe nada sobre os filmes. Amo ver filme assim, sem ter noção do que seja. Em Cannes, acontece muitas vezes de você entrar na sala errada, porque são muitos filmes por dia. Já entrei numa sala achando que ia ver um filme chinês, aí, de repente, vejo uma história em Amsterdã… Achei estranho, mas, sei lá, de repente era um filme chinês que começava em Amsterdã. Enfim, o fato é que ele era tão bom, que não consegui sair do cinema. E era Character (1997), que acabou ganhando o Oscar de Filme Estrangeiro.
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CONTINENTE Acredita que as pessoas ainda procuram textos bem-escritos sobre cinema ou a maioria lê o que se encontra à disposição?
ANA MARIA BAHIANA Bem, eu sou uma dessas pessoas que procuram bons textos. Um bom texto, um bom filme, uma boa música. Eles contam uma história para você, facilmente. Envolvem e fazem seu cérebro acordar e dizer: “Quero ficar aqui, nessa frequência”.
CONTINENTE Recentemente, a roteirista e atriz Tina Fey fez uma piada na série 30 Rock sobre a ausência de filmes com roteiristas em Hollywood. Você acredita nisso?
ANA MARIA BAHIANA Não, até porque o filme que tem menos ideias, geralmente, é aquele que tem mais roteiristas. O que existe é o seguinte: ou você tem um roteirista e aquela história é a voz dele, ou você tem o chamado filme por consenso ou por comitê, que pode ter até umas 20 pessoas trabalhando no roteiro. Um dia desses, fui assistir a Thor, ao lado de um amigo roteirista, e a gente morria de rir com a quantidade de roteiristas nos créditos. E não precisa dizer que o filme é aquela coisa, né? Enfim, só acho engraçado justamente a Tina Fey fazer esse tipo de comentário, porque, na TV, o roteirista manda.
CONTINENTE Por que começou a escrever sobre cinema?
ANA MARIA BAHIANA Comecei a escrever sobre música, ao mesmo tempo em que estudava Cinema, na PUC. Fazia Jornalismo e a minha opção era cinema. Minha mãe era louca por música. A casa era cheia de discos, ela tocava piano e, desde garota, andava com músicos e bandas. Por outro lado, meu pai era fotógrafo e louco por cinema. Tinha uma câmera super-8 e vivia documentando a família e a cidade. Ensinou-me a editar filme na moviola e, até hoje, guardo esse equipamento. Mas, quando comecei a escrever sobre cinema, não havia cinema, porque estávamos no auge da ditadura militar no Brasil e não tinha filme, a não ser pornochanchada.
CONTINENTE Fale um pouco sobre o livro Como ver um filme.
ANA MARIA BAHIANA Isso tudo começou porque uma amiga me perguntou se eu achava que os escritores leem livros de maneira diferente. Eu disse que sim, claro. Vivendo numa cidade onde dois terços das pessoas estão diretamente envolvidos com cinema, sei que elas assistem aos filmes de outra maneira. Já tive experiências incríveis de ver filmes ao lado de montadores, diretores de arte, com a plateia inteira de profissionais de cinema. E a maneira como eles veem o filme é completamente diferente daquela do espectador comum. Daí, veio a ideia de fazer um livro sobre isso. Porque, se você falar para a pessoa que está na plateia sobre como cada uma das etapas do filme foi realizada, ela vai mudar seu olhar sobre cinema. Assim começou o projeto do livro e, no meio do caminho, a Casa do Saber, do Rio, me perguntou se eu tinha algum curso pronto. Testei o livro como curso e foi um sucesso. Já dei as aulas diversas vezes, de Fortaleza a Caxias do Sul, em praça pública, em teatro. O livro leva o leitor a esse caminho – do começo ao fim do processo de criação de um filme –, explicando cada etapa, mas de uma maneira gostosa.
CAROL ALMEIDA, jornalista.