DISTRIBUIÇÃO
A discussão, que começa com um questionamento do gosto pessoal daquele espectador que incomoda e interfere na sessão, acaba rapidamente apontando suas raízes, cada vez mais fortes e evidentes: a gestão dos cinemas de mercado, em sua maioria, interessada no lucro, o que acarreta a má distribuição dos filmes, fazendo com que o cinema independente – especialmente o brasileiro – se torne refém de poucas salas, procurando outras alternativas para que as obras cheguem ao público.
Isso fica claro, por exemplo, no Recife, cidade considerada um dos polos de produção cultural e cinematográfica do país, e onde a programação das 44 salas de cinema multiplex é exatamente a mesma, mudando apenas os horários da grade. O espaço para outras linguagens é quase nulo, e restringe-se a uma sala considerada modelo nesse aspecto (a Fundaj) e três “cinemas de bairro” que caminham vagarosamente – Cinema Apolo, São Luiz e ETC –, mas que, ainda assim, buscam dar espaço às produtoras independentes ou menos conhecidas.
A crise atinge não só o público, mas também os autores, que se veem obrigados a optar por novas formas de divulgação e disseminação de seus trabalhos, voltando-se muitas vezes à internet. E que não se engane quem pensa que esse problema é específico dos novos realizadores: recentemente, o cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard, um dos maiores nomes da Nouvelle Vague, resolveu voltar-se aos meios alternativos para divulgar seu último longa. Um dia antes de seu Film Socialisme chegar aos cinemas, Godard disponibilizou o trabalho, na íntegra, no Youtube.
Tal saída acaba tornando-se insatisfatória. Por não possuir estrutura física ideal – seja ela sonora ou visual –, a experiência de assistir a filmes no computador ou na televisão mostra-se obviamente inferior à da sala de cinema, podendo impedir que o espectador tenha sensações que se tornariam possíveis num ambiente apropriado.
A solução que salta à vista é o sonhado “equilíbrio” entre grandes e pequenas produções. Kleber aponta, como exemplo, o cinema Arteplex, do empresário Ademar Oliveira, que está presente em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Fortaleza. Segundo o cineasta, “ele mistura o blockbuster de bom gosto com duas ou três salas exibindo filmes de outros estilos”. Observando a grade dos cinemas mais comerciais, Kleber acredita que a falta de diversidade é, de certa forma, tola, por não se abrir a novas experiências, embora ele saiba que “os empresários apresentam números que corroboram suas decisões”.
Para o crítico Luiz Joaquim, que também é programador do Cinema da Fundação, não é por acaso que os filmes de grandes produtoras, como a Globo Filmes, por exemplo, fazem sucesso – com marca aproximada de 1 milhão de pagantes por longa. Segundo ele, há uma massiva campanha de marketing para esse tipo de produto.
Foto: Divulgação
Luiz Joaquim cita o exemplo da estreia, para convidados, de 2 Filhos de Francisco, que contou com uma equipe de jornalismo da Globo na porta de saída de um multiplex do Rio de Janeiro: “Com eles, estavam os dois cantores sertanejos, Zezé di Camargo e Luciano, cuja trajetória é retratada no filme. Ainda com os créditos finais subindo, os cantores entraram na sala pela porta de saída, eles cantavam ‘É o amor...’. Enquanto isso, os jornalistas entrevistavam os espectadores sob o impacto do longa e a presença dos cantores. A matéria foi ao ar no programa Fantástico daquele fim de semana e, não por acaso, o segundo fim de semana do filme teve uma presença maior de espectadores. Isso era algo inédito”.
O crítico Marcelo Costa concorda em que a desigualdade não está só na geografia das salas, mas também na divulgação: “Existem alguns cinemas que mantêm uma programação com variada filmografia, capaz de atrair a curiosidade do público. Mas, ao mesmo tempo, o espectador é induzido a assistir blockbusters pelo fluxo intenso de publicidade desses filmes. Ao somar a propaganda à quantidade de salas que são dominadas por grandes lançamentos, o resultado é uma luta injusta, em que filmes de menor orçamento mal conseguem espaço”.
Para Costa, a noção de expectativa de público que orienta a indústria é, ao mesmo tempo, óbvia e dúbia: “A gente cria a ilusão de que tem uma fórmula moldada, e que dentro dela você sabe exatamente que peças mexer para atrair ou atender a essa expectativa de público. Mas a realidade é muito mais complexa que isso. Pouquíssimos realizadores conseguiram fazer uma leitura bem-sucedida do que é uma expectativa de público. Não estou negando que existe uma fórmula fácil, com atores famosos e narrativa novelesca, mas muitos filmes pensados para grandes bilheterias acabaram ruindo, e vice-versa”.
Entre casais de namorados, donas de casa, estudantes e advogados, os frequentadores de cinemas de shopping abrangem vários segmentos. A maioria não nega que já chegou a assistir a filmes sem saber direito o que iria encontrar, escolhendo pelo horário de início da sessão, como o funcionário dos Correios, Rodrigo Dantas, entrevistado antes de assistir a uma comédia romântica.Dantas afirma, porém, que também se interessa por outras linguagens e formatos, como os curtas-metragens, e diz que gostaria de assisti-los antes das sessões normais. Assim como ele, outros frequentadores de multiplex demonstram interesse em experimentar outras cinematografias, como os estudantes de biologia Julião Neves e Williams Souza, que dizem ir ao cinema de shopping por questões de segurança e localização. Williams disse, ainda, que os chamados filmes de arte “atingiriam um público maior, se concentrados nos multiplex”, atendendo, assim, a uma comodidade do público em geral.
Para Rodrigo Carreiro, jornalista e coordenador do curso de Cinema da UFPE, a mudança é gradual e demorada: “O circuito exibidor teria que se expandir em direção às periferias, com redes de cinemas de bairro e ingressos mais baratos. Seria preciso reeducar visualmente o espectador, dando a oportunidade de contato com produções mais interessantes e menos baseadas em fórmulas prontas da televisão diária, das novelas ao jornalismo”.
A mudançade raciocínio, ainda que tênue, sobre o gerenciamento e o consumo da programação têm sido crescente, o que pode resultar no amadurecimento do público e no refinamento cultural do país. Como afirma Marcelo Costa, a obra de arte precisa de público e este só saberá se ela agrada ou não quando tiver acesso adequado ao que é produzido.
GABIELA ALCÂNTARA, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.