Com efeito, será uma quebra de expectativa brutal ouvir um primeiro movimento em ritmo de disco funk, com o cello solista equiparando-se a uma guitarra distorcida (não vamos antecipar a surpresa toda), mas brutal, propriamente falando, promete ser o espetáculo eleito para celebrar o II Virtuosi pela Paz – que, desta vez, infelizmente, não terá as mesmas 24 horas de duração que em 2007. Baseada numa das seções do livro História universal da angústia, de W. J. Solha, a Cantata bruta nasceu como uma experimentação de artes integradas em que seis compositores buscaram lograr um esforço de aproximação entre linguagens musicais e temáticas sociais da ordem do dia.
Eli-Eri Moura, Marcilio Onofre, Didier Guigue, J. Orlando Alves, Valério Fiel e Wilson Guerreiro decidiram tratar da violência urbana e, ao mesmo tempo, registrar a passagem dos 70 anos de Solha; daí escolherem alguns poucos dos 126 contos da seção A gigantesca morgue como libreto e argumento da cantata, e a conceberem para cantores solistas, coral, orquestra, dois declamadores e sons eletroacústicos manipulados ao vivo. As duas primeiras audições ocorreram no final de outubro, em João Pessoa, e o escritor aprovou o resultado.
Os pontos de encontro entre música e temas sociais serão explorados sob outro formato no I Virtuosi Diálogos, dias 6 e 7, ou seja, antes de os concertos oficiais começarem. Nessa série de três debates, os compositores convidados falarão para o público em estilo stand up sobre seus processos composicionais. Em seguida, terão obras apresentadas por conjuntos de câmara, tal qual o Quarteto Romançal e o Grupo Sonantis, e responderão a perguntas da plateia. Estão confirmados os citados Eli-Eri e Marcílio (PB), mais Nelson Almeida e Antonio Madureira (PE), Danilo Guanais (RN), Liduíno Pitombeira (CE).
O Virtuosi Diálogos pretende problematizar a criação musical atual no Nordeste através de aspectos como: a música armorial, hoje, multiplicidade de sistemas de composição, desbravamento, regionalismo e ecologismo. Se o Recife ainda não consegue reunir público leigo para pensar ou debater música clássica, ao contrário do que acontece com cinema e literatura, ao menos possui capital humano no meio musical em quantidade suficiente para prestigiar o evento, isto é, se esse mesmo meio musical, profissional e estudantil não se fizer alheio a mais uma oportunidade.
Neste ano, o Virtuosi procurou enfatizar tanto compositores quanto grupos instrumentais nordestinos, entre os quais a Orquestra de Violoncelos da UFRN, o grupo de percussão potiguar Percumpá, o Quinteto da Paraíba e a Orquestra dos Meninos do Coque, que inaugura o I Virtuosinho. Menção para o lançamento em CD da obra completa para violoncelo (solo e com piano) de Marlos Nobre, interpretada por Leonardo Altino e Ana Lúcia Altino Garcia.
Das novidades estrangeiras, vale destacar Le Quartour Caliente, especializado em Piazzolla; Maïlys de Villoutreys (meio-soprano) e Renan Khalil (cravo); e o Duo Inviolata, formado por viola e sanfona. Deixando claro que não mencionamos tudo (e tudo, sinceramente, valerá a pena ser ouvido, incluindo Mahler e Liszt, postos de lado nesta matéria), os habitués de todos os anos não precisam se preocupar: Victor Asunción e Benjamin Sung virão novamente ao Recife. E novas caras começam a acompanhá-los: Alexander Hrustevich, Arild Kvartetten, Peter Laul, Jihye Chang... Fica o convite para os ouvintes dizerem se o Virtuosi mudou. Está claro que ficou bem mais “antenado”.
CARLOS EDUARDO AMARAL, mestre em Comunicação e crítico de música erudita.