É verdade que, nas duas últimas décadas, tem havido iniciativas editoriais no sentido de oferecer a estudiosos, profissionais, apreciadores, material concernente à arte fotográfica. Não apenas aqueleexclusivamente diletante e desprovido de leitura crítica, mas de boa densidade artística, ensaística e teórica. Entre essas boas intenções, estão os cinco títulos da coleção Photo poche, que acabam de chegar ao Brasil em edição da Cosac Naify e que nos remetem aos clássicos do início desse texto.
Quando passou a publicar os volumes dessa coleção, em 1982, o fotógrafo e editor Robert Delpire pretendia oferecer, a um público mais amplo, obras que servissem de introdução ao universo fotográfico e se prestassem à formação visual dos leitores. Não por acaso, entre os primeiros títulos constavam aqueles dos precursores Nadar, Nicèphore Niepce, Etienne Jules Marey e Eugène Atget; de fotógrafos da escola humanista e da street photography, como Robert Doisneau e Robert Frank; grandes documentaristas e ensaístas, como W. Eugene Smith; e criadores de imagens especialíssimas, como Duane Michals e Joel-Peter Witkin. Eram escolhas editoriais que traziam um painel diversificado da fotografia, apontando sua versatilidade e relevância. Hoje, essa bem-sucedida coleção de livros de bolso soma mais de 150 títulos, entre monográficos e temáticos, sendo editada pela Actes Sud.
É na mesma linha de raciocínio de Delpire – de relevância e de diversidade estilística e temática – que podemos entender a escolha dos cinco primeiros títulos da edição nacional da Photo poche. Todos eles são de grandes fotógrafos: Henri Cartier-Bresson, Man Ray, Helmut Newton, Elliot Erwitt e Sebastião Salgado, mas cada um tem o próprio apelo, não havendo qualquer necessidade de consonância entre eles. Possivelmente, Cartier-Bresson, Man Ray e Sebastião Salgado – sobretudo o primeiro e o último – são os mais conhecidos do público brasileiro, em geral, enquanto Erwitt (que tem sua primeira edição no país) e Newton se configurem nas “novidades”. Os livros têm tratamento equânime: trazem uma média de 64 fotografias de cada autor, com textos de apresentação e biografia, ao final. Com exceção do livro de Helmut Newton, que também traz imagens coloridas, os trabalhos são todos em preto e branco.
Cães são personagens espetaculares no acervo de Elliot Erwitt, como nessa imagem, de 1973. Foto: Reprodução
DO DRAMA À COMÉDIA
Certamente que, do conjunto, o mais dramático e denso é o de Sebastião Salgado. E isto em relação a tudo: à temática, à inflexão, à técnica. Os temas da morte, da dor e da miséria estão nas imagens declaradamente engajadas do fotógrafo brasileiro, que teve várias exposições e livros publicados no país. Personagens, enquadramentos, luz, complexas tonalidades de branco, cinza e preto dão às suas fotografias um caráter épico, que convoca do observador uma adesão, mesmo que esta se dê apenas no nível emocional.
Os volumes dedicados a Man Ray e Helmut Newton guardam aproximações, no que diz respeito à exploração do corpo e do nu como temas. Os portraits também interessaram a ambos, como de resto, à maioria dos fotógrafos, sendo um dos grandes gêneros da fotografia. Mas as aproximações param por aí, porque não há como comparar as inquietações e experimentalismos de Man Ray, e sua vinculação com o Surrealismo, à materialidade carnal e fetichista, ligada ao mundo da moda e do consumo, das fotografias de Helmut Newton.
Nesse retrato de anônimo, de 1932, o talento do fotógrafo Henri
Cartier-Bresson. Foto: Reprodução
Em Man Ray, não é apenas o corpo que, embora também erotizado, se presta aos experimentos. No conjunto de fotografias aqui selecionadas – a maioria dos anos 1920 e 1930 –, o que se observa é o vigor de um artista que trocou a pintura pela fotografia num lance de dados curioso: quando chegou à conclusão de que preferia as reproduções de suas pinturas aos originais em si.
Audácia, agressividade, erotismo, sensualidade, fisiculturismo, empáfia, deboche, independência. Essas são qualidades que se podem observar nas fotos de mulheres nuas – ou vestidas como se exibissem a nudez – desse fotógrafo alemão que afirmava adorar o artificial e que teria dito, como escreve Karl Lagerfeld, na apresentação que faz ao livro: “Tudo que é belo é falso” e “O gramado mais bonito é o de plástico”. Não há qualquer romantismo em Newton, que ganhou dinheiro e prestígio como fotógrafo de moda. Suas mulheres são incríveis.
A outra dupla que podemos formar nesse quinteto é composta por Cartier-Bresson e Elliot Erwitt. O primeiro elemento em comum entre eles chama-se Magnum, agência de fotografia criada nos anos 1940, entre outros, por Bresson e Robert Capa (que também tem título na Photo poche francesa) e que reúne nomes seminais da fotografia mundial. Foi Capa quem convidou Erwitt para compor o time da agência em 1953, na qual ele está até hoje (sim, está vivo, um senhor octogenário). Como membros da Magnum, ambos cobriram eventos marcantes (e trágicos) do século 20. Mas é no detalhe do cotidiano e das ruas que esses dois encantadores fotógrafos revelam o melhor de si; Bresson, numa expressão mais sóbria e preciosista; Erwitt, com peculiares sensos de humor e oportunidade.
São, portanto, livros que contribuem bastante para nossa compreensão sobre a riqueza da arte fotográfica e suas variadas expressões. Assim, quando alguém nos perguntar sobre clássicos da fotografia, teremos nesses autores respostas justas e acertadas.
ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.