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'Pano rápido': Histórias contadas em confrarias

Joca Souza Leão narra em livro fatos engraçados, ocorridos com personalidades ao longo do século 20

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Dezembro de 2011

Joca Souza Leão selecionou de seus textos publicados em revista aqueles mais perenes e foi em busca de novas histórias

Joca Souza Leão selecionou de seus textos publicados em revista aqueles mais perenes e foi em busca de novas histórias

Foto Joca Souza Leão

Crônica é aquele tipo de texto lesinho, que nos dá a impressão de que foi escrito com tanta facilidade quanto se mostra a sua leitura. A gente vai sendo levada pela conversa escrita e, quando percebe, está com uma meia-lua nos lábios ou deixando escorrer uma lágrima. E tudo que a envolve (atenção, leitor, que fique claro: estamos falando aqui da boa crônica) é leveza, graça, despretensão. Há um “não lugar” no gênero – nem conto, poesia, artigo, nem reportagem; podendo ela ser tudo isso, afinal – o que garante ao seu autor uma liberdade rara de criação. Quando a crônica agrada ao autor e ao leitor, é assim como um casamento perfeito. E foi essa relação harmoniosa e duradoura que se estabeleceu entre autores como Rubem Braga (“o cronista”), Carlos Drummond de Andrade, Antônio Maria, João do Rio (grande entre os grandes), Paulo Mendes Campos, entre tantos outros maravilhosos do gênero, e seus leitores.

É provável que o bem-querer e a fidelidade já se tenham estabelecido entre Joca Souza Leão, que vem batendo ponto como cronista há algum tempo nas páginas de jornal, e seus leitores. Ele contou, na crônicaPra homem nenhum, que foi quando se aposentava da publicidade, que acabou se decidindo pela função: “Acho que posso fazer o que sempre fiz: ‘escrever’, pensei. ‘Mas escrever o quê?’ Ora, se a vida toda escrevi parábolas sobre produtos, que tal tentar parábolas sobre o cotidiano? Crônicas. E comecei. Com mil dúvidas. Entre elas, se o gênero ainda tinha leitores. Dúvida dissipada logo. Já na terceira crônica, recebi dezenas de mensagens, centenas de manifestações de apoio… e quatro intimações judiciais”.

Quanto à última frase da citação acima, é que, nas suas crônicas, Joca gosta de cutucar o Diabo com vara curta, sobretudo ao polemizar temas urbanos, obtendo resultados que, muitas vezes, nem mesmo os textos sérios das páginas informativas conseguem: incomodar, a ponto de captar a adesão imediata dos leitores e a fúria dos criticados. No caso comentado por ele em Pra homem nenhum, foi uma briga que arrumou com um dono de faculdade.

Mas ele já se meteu em assuntos como a negociação para compra do terreno do Hospital da Tamarineira (que queriam transformar em shopping), na ideia de mudar a fachada do edifício JK (pretendiam envidraçar o sóbrio projeto moderno), na recente colocação de gelo baiano na Praça dos Manguinhos (ele tem até um projeto de transformar esses feios ordenadores de tráfego em canteiros de plantas).

Já tratou de temas mais amenos, como a chegada dos crematórios ao Recife, a poluição sonora nos restaurantes, a derrubada de árvores dentro de um clube privado, chegando ao que poderíamos chamar de cerne da crônica brasileira: as pequenas cenas e sensibilidades do cotidiano. Com seus textos semanais, ele vem curtindo a resposta do público e comprovando o que se apontava desde o início: que as pessoas gostam de ler textos dessa fatura, ainda que a crônica tenha escasseado nos veículos de grande circulação, indo se alojar (confortavelmente) na internet.

Além do cronista que vem se firmando, Joca (apelido que virou o nome de João Augusto, ainda há tempo de informar) também verga o contador de histórias. E é nessa persona que vamos nos centrar agora.

Assim como se alojou nas páginas de opinião do Jornal do Commercio, ele também encontrou guarida nas páginas de revista, em que manteve uma coluna de pequenas narrativas. Pano rápido foi publicada por mais de dois anos na Algo Mais, e era composta de histórias que o autor vinha colecionando desde criança, principalmente por ser filho de um contador de venturas e desventuras, Caio de Souza Leão. “Meu pai sempre manteve em casa o que a gente pode chamar de saraus. Então, quando eu e meus irmãos éramos meninos, muitas vezes, acordávamos de madrugada, não com outra coisa, mas com as risadas do pessoal lá embaixo. Isso me marcou muito”, afirma o cronista.

Do que publicou na coluna, Joca empreendeu uma seleção dos textos mais perenes e editou o livro Pano rápido (Cepe). Nesse trabalho, contou com a colaboração de Ricardo Melo, que, sendo hoje diretor de produção e edição da editora, vem de longa experiência como designer gráfico e caricaturista. “Quando começamos a conversar sobre o projeto do livro”, afirma Joca, “colocamos sob temas as histórias que haviam sido publicadas na Algo Mais. Reescrevi algumas, dando-lhes tratamento mais literário, e fui buscar novas histórias, que acredito serem de 20 a 30% do total”.

Diferentemente dos assuntos das citadas crônicas de jornal, que – embora possam também trazer um tom memorialista – estão centradas na atualidade, as pequenas narrativas (se você chamar de “notas”, caro leitor, tenha certeza de que vai puxar uma briga com um enfezado Joca) de Pano rápido têm um tom francamente vintage. Porque elas se referem a pessoas de tempos antigos, gente que viveu na primeira metade do século passado, ou são personagens da convivência do próprio autor, de sua geração ou pouco mais velhas ou mais novas.

Assim, o livro mantém diálogo sobretudo com uma patota, como se a publicação fosse uma materialização das conversas entre pares, em mesas de bar, varandas e salas de estar. Um memorial de convivência e falação, testemunho de um estilo de vida herdado do pai e reproduzido entre amigos. Dessa confraria que é Pano rápido extrai-se o modus vivendi de homens com afinidades, entre outras, no campo político, literário e etílico. Boêmios que contam histórias uns para os outros, de fatos engraçados (e superdimensionados, muitas vezes) ocorridos com gente conhecida.

Para ajudar aqueles que desconhecem os personagens citados no livro – cuja graça recai também na sua aparência de almanaque e nas caricaturas de Ricardo Melo – o autor oferece aos leitores um “quem é quem”, em que traz informações de caráter histórico e afetivo sobre eles. Agora que tomou gosto pelo negócio, Joca Souza Leão – como todo publicitário que se preze – anuncia para o ano que vem um livro de crônicas, seleção que não vai ser difícil, pelo monte de textos que ele já tem. 

ADRIANAS DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente

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