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Peleja: André Rozowykwiat x Rafaella Soares

O jornalista deve usar sua fama para vender produtos?

TEXTO Revista Continente

01 de Setembro de 2011

Ilustração Karina Freitas

O publicitário André Rozowykwiat defende que é sua área de atuação que respalda a propalada credibilidade jornalística e que esta, por sua vez, serve como ótimo atributo para transformar jornalistas em garotos-propaganda. Embora acredite que jornalistas podem mesmo influenciar a opinião pública em favor do consumo, Rafaella Soares pondera que os profissionais devem lembrar a função social da profissão, antes de alçar marcas aos trending topics.

ANDRÉ ROZOWYKWIAT
Redator publicitário, sócio-diretor da agência Atma


Há alguns anos, deparei-me com um artigo de Millôr Fernandes criticando a publicidade. Segundo ele, a “toda poderosa” imprensa é que trazia consigo a verdade, enquanto a publicidade só mentia. Para quem vive o dia a dia de uma agência, isso soou como um chute de coturno, por ter vindo de uma das grandes cabeças do nosso país. Tive certeza: vivemos na época das opiniões superficiais, e quem ganha é uma imprensa de má qualidade.

Assim como no jornalismo, a publicidade tem seu papel na formação de opinião. Quem aqui não considera a Brastemp a melhor marca de refrigerador? Ou chama lâminas de barbear de Gilette? Não foi mentindo que essas marcas chegaram aonde estão. E, para chegar à liderança – falando a verdade na comunicação –, a culpa foi, sabe de quem? Do jornalismo também. Quando Assis Chateaubriand inaugurou a TV no Brasil, nos anos 1950, a publicidade era inserida nos programas, em que os jingles eram cantados por estrelas da época de ouro do rádio. Assim, desde antigamente, o jornalista já era publicitário. É o que chamamos de merchandising. Chatô, como era conhecido, publicava em seu conglomerado (34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão, uma agência de notícias e duas revistas) notícias caluniosas a respeito de empresários e produtos para forçá-los a anunciar em seus veículos.

Hoje, por conta de absurdos da imprensa, como o famoso debate Lula X Collor ou a cobertura do “escândalo” da Escola de Base de São Paulo, a ética no jornalismo tomou a frente do bom senso. Se o profissional anuncia um produto, pode até ser demitido, como aconteceu com Joelmir Beting, na TV Globo. Mas o publicitário, antes de mais nada, é um estatístico. Ele trabalha baseado em pesquisas de opinião e muito mais. Por isso a gente sabe como e quanto o público associa sucesso a celebridades, endossando a utilidade de algo. Como, no Brasil, jornalistas são tão endeusados quanto atores de Hollywood (sendo que eles ainda carregam a vantagem de passar credibilidade), tornam-se personagens perfeitas para campanhas. Para se ter uma ideia, 19% do público topa pagar mais por um produto anunciado por uma celebridade. Marcas como C&A, Marisa, Grendene, Brahma, Caixa, Havaianas, entre outras, buscam figuras conhecidas para falar bem de si. Então, por que não? Se o que possibilita ao jornalismo ser independente, imparcial, apurador, é justamente a publicidade?

RAFAELLA SOARES
Jornalista, atua na Lead! Assessoria e Promoção



Em 2009, a Telefônica ofereceu um contrato a Marcelo Tas para divulgar a marca na imagem de fundo do perfil @marcelotas, além de postagens publicitárias. Tas foi um dos que primeiro ocuparam a rede social. Quem fechasse contrato com ele, estaria se associando a um profissional que catapulta uma marca aos tão ansiados trending topics. A negociação provocou uma das primeiras polêmicas no microblogTwitter.

Hoje, antes de serem criados tópicos patrocinados pelo próprio Twitter, um time de formadores de opinião vem seguindo os passos do apresentador. Talvez haja um menor grau de influência no fato de uma marca ser avalizada por um apresentador de programa de humor, e isso não seja tão preocupante quanto um colunista se mostrar entusiasta de uma determinada legenda política.

Ampliando o tema: a profissão do jornalista, quando não é subestimada, é levada de forma maniqueísta. Na essência da profissão, além do compromisso com a verdade, deveria também pesar um comprometimento com a veracidade e legitimidade do que se diz, pois formar opinião é algo sério. A massa de profissionais que fomenta os meios é um caldeirão que mistura publicitários, marqueteiros, relações públicas e assessores, em funções semelhantes: etiquetados no tal do curso de Comunicação. Mas jornalista é um “bicho” distinto.

Trabalhar com notícia requer doses adequadas de bom senso, ousadia, rapidez de raciocínio, capacidade de sobrevivência às adversidades corporativas, bom humor. Tudo ao mesmo tempo, agora. A maioria de nós nem se permite refletir sobre a dimensão da profissão: muitas vezes uma opinião emitida, um tom imprimido, uma palavra usada são determinantes para influenciar o ponto de vista de quem lê. E isso é tão importante quanto as decisões tomadas em Brasília ou os avanços da medicina.

A grande variável da área, no entanto, deixa-nos incertezas: há sempre um questionamento no ar sobre o papel do jornalismo. Uma vez nesse ofício, ou você embarca na responsabilidade de arcar com o que fala e os seus desdobramentos, ou procura outra coisa para fazer. Afinal, por mais técnico que possa parecer – os detratores falam que um curso técnico daria conta de ensinar pessoas a construírem leads –, é bem mais trabalhoso passar uma notícia, uma ideia, um conceito que o interlocutor vai carregar por anos do que fazer uma paella

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