Além de registrar um episódio marcante para a cidade, o livro de Homero faz uma reflexão sobre a relação dos recifenses com a cidade aquática. Lembra que, desde os tempos remotos da colonização, a população aqui instalada enfrenta as cheias e alagamentos dos rios Capibaribe e Beberibe. O Recife, enfatiza Homero, é uma cidade roubada das águas.
A luta do homem para ocupar a vasta área de manguezal à direita das terras altas de Olinda começou a se intensificar há muitos séculos. “Quando os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais, à força das armas, ocuparam a região, no século 17, esse movimento (de ocupação das áreas alagadas) acelerou-se. Com know-how de domadores de águas, os flamengos dominaram o espaço físico e fizeram o núcleo urbano expandir-se na direção da terra firme. Sobretudo no período Nassau, projetaram e construíram palácios, pontes, diques, estradas, casas, canais.” E lembra que a vila cresceu “tapando camboa, engolindo maré, aterrando pedaços de mangue, comendo ilhas, virou cidade. A maior parte da zona urbana, hoje, foi edificada em cima de aterros”.
Durante o trabalho, Homero se preocupou em estudar outros fenômenos coletivos que colocaram cidades em polvorosa. Entre os episódios, estão o Êxodo de Paris, que aconteceu durante a invasão da cidade pelos alemães, na Segunda Guerra Mundial, e a falsa transmissão radiofônica de um ataque de marcianos, feita por Orson Welles, em 1938, que parou Nova York e espalhou pânico nos Estados Unidos.
No livro, há também pesquisas e estudos científicos, mas o tom que prevalece é o da boa reportagem, com um ritmo intenso, rápido, com espaço até mesmo para pequenas – e, hoje, patéticas – comédias pessoais, ajudando a tornar a leitura mais leve e a amenizar o clima tenso do episódio que transtornou a cidade.
DANIELLE ROMANI, repórter especial da revista Continente.