Arquivo

Você ainda vai comprar um livro pelo trailer

Vídeos feitos para circular na internet e divulgar obras literárias, os book trailers ganham espaço na estratégia de vendas das editoras

TEXTO Diogo Guedes

01 de Julho de 2011

Entre os VTs nacionais de divulgação, 'A mulher de vermelho e branco', de Contardo Calligaris, tem sido o mais elogiado

Entre os VTs nacionais de divulgação, 'A mulher de vermelho e branco', de Contardo Calligaris, tem sido o mais elogiado

Foto Reprodução

Depois do que aconteceu com a indústria fonográfica no final da década de 1990 e no começo dos anos 2000, os produtores de outras mídias ficaram preocupados com as consequências das novidades tecnológicas. Os veículos de imprensa também precisaram lidar com essas inovações, que popularizaram arquivos em formato PDF, fomentando a leitora virtual de texto. Com as telas e-ink e a simulação bastante aproximada de um papel, a indústria editorial passou, também, a repensar seus produtos e a forma de divulgá-los. Mas, ao contrário das outras cadeias, que sofreram baques maiores, tudo parece estar bem entre negociantes do livro: as empresas registram boas vendas e o mercado de e-books – a despeito do compartilhamento ilegal – tem crescido significativamente, mostrando-se uma alternativa segura.

Nesse contexto, o surgimento dos trailers em vídeo para livros, os book trailers, é natural. Enquanto parte da venda de obras foi se deslocando de livrarias para as lojas online, a internet ganhou importância, também, como veículo de divulgação. Somando-se às formas tradicionais, o novo formato já se tornou uma realidade editorial nos Estados Unidos e tem recebido cada vez mais a atenção no Brasil.

A definição do que seriam os book trailers ainda é um pouco dúbia. Em um sentido mais amplo, eles são quaisquer vídeos oficiais de divulgação de uma publicação, incluindo, aí, leituras, meras propagandas televisivas, entrevistas ou depoimentos. Na acepção mais utilizada atualmente, o termo se refere às adaptações para um universo visual, por meio de encenações reais ou animações, basicamente no formato de umtrailer de filme, só que com um trecho da narrativa lido ao fundo. Uma das principais produtoras do gênero e a responsável pela patente da expressão em 2003, Sheila Clover English, descreve-os genericamente como “uma sinopse visual”. Ainda um tema raro na academia, Katherine Fitzpatrick, da Universidade de Sidney, na Austrália, indica que eles servem para vender a paisagem imaginativa da obra, antecipando elementos dela ao mesmo tempo em que a extrapolam.

Atualmente, o fenômeno é o tema de uma premiação nos Estados Unidos, a Annual Moby Award, em sua segunda edição. Lá, os principais lançamentos do mercado ganham bem- produzidostrailers – principalmente os de foco mais comercial, como séries de literatura pop, livros infantis e obras de autoajuda. Os autores de ficção mais respeitados pela crítica e pela academia ainda têm uma atuação tímida nesse campo, mas um dos vídeos campeões de audiência no mundo é o de Vício inerente, de Thomas Pynchon, com cenas em uma cidade litorânea e uma narração em off que ambientam elegantemente a narrativa.


Miguel Sanches buscou produtor para o vídeo do seu livro Então você que ser um escritor?. Foto: Reprodução

Os trailers que mais conseguem conquistar a audiência da internet são os que investem intencionalmente na sua capacidade de se tornar um viral, ou seja, um assunto curioso que as pessoas voluntariamente passam à frente. Abraham Lincoln: vampire hunter (em tradução literal, Abraham Lincoln: caçador de vampiros), por exemplo, como o título sugere, traz uma inusitada cena de batalha entre o histórico presidente americano e um vampiro – o livro foi escrito pelo mesmo autor da recontagem pop Orgulho e preconceito e zumbis, também um sucesso na web.

NACIONAIS
No Brasil, ainda são poucos os investimentos nos book trailers, mas os que foram produzidos já sugerem interesse de autores, editores e público. Duas das principais empresas do setor no país, a Companhia das Letras e a Record, afirmam que a tendência é fazer cada vez mais vídeos para os seus lançamentos.

Segundo Juliana Vettore, do departamento de divulgação da Companhia das Letras, a atenção dada aos trailers faz parte de um plano da empresa, que buscava mais canais de interação com o leitor, principalmente por meio da internet. Eles pretendem abarcar cada vez mais publicações. “A ideia é fazermos vídeos de apresentação para todos os lançamentos nacionais de ficção da editora”, conta a assessora de imprensa, ressaltando que algumas obras infantis e de não ficção importantes também devem receber adaptações.

O método de produção é simples. Em parceria com pequenas produtoras de vídeos, a empresa chama os autores para ajudarem na definição do roteiro. “Escolhemos trechos fortes e importantes para serem lidos e, a partir daí, pensamos nas imagens que o ilustrarão”, explica Juliana. Normalmente, os escritores ainda participam lendo a passagem selecionada – além, é claro, de terem a palavra final nas decisões dotrailer.


A sordidez das pequenas coisas, dirigido por Frederico Cabral, foi o primeiro trailer da Não Editora. Foto: Reprodução

Falando de vídeos de divulgação, como um todo, a Record já acumula mais de 150 no seu canal do Youtube. A editora, segundo o diretor de marketing Bruno Zolotar, trabalha com diversas formas de apresentar suas publicações, passando por comerciais tradicionais, entrevistas e leituras, e trazendo até “quase curtas-metragens feitos em cima dos livros”. “Independentemente do formato, todos eles tentam abrir o ‘apetite’ do leitor para uma obra específica”, define Bruno.

Para ele, o formato é tanto versátil quanto viável. “Hoje, o Brasil tem mais de 50 milhões de pessoas que usam a internet constantemente, e o book trailer é uma mídia relativamente barata”, argumenta. O estilo dos vídeos varia de acordo com a necessidade, mas eles normalmente têm menos de 3 minutos, buscando atender ao desejo de velocidade dos espectadores da rede.

QUALIDADE
Na verdade, são raros os vídeos que realmente causam algum impacto no espectador. Muitos parecem apenas uma propaganda de qualquer produto, e outros trazem apenas sucessões de fotografias-clichê, com chamadas dramáticas, típicas de trailers cinematográficos hollywoodianos. Algumas produções brasileiras, no entanto, fogem com sofisticação dessa tendência, como provam lançamentos recentes como Então você quer ser um escritor?, de Miguel Sanches Neto, dirigido por Douglas Machado, Diário da queda, de Michel Laub, coordenado por Caio Zerbini, e Nada me faltará, de Lourenço Mutarelli, assinado por Murilo Hauser.

No entanto, o trailer mais representativo dessa crescente qualidade é, sem dúvida, A mulher de vermelho e branco, da obra de Contardo Calligaris, criado pela Arara Productions, de Guilherme Pierri, Maximilien Calligaris e Tales Penteado. Sem leitura de trecho do livro e quase nenhuma palavra, o vídeo tenta recriar, apenas com imagens e encenações silenciosas, o ambiente, o ritmo e o clima da narrativa.


Para o escritor Michel Lab, uma das vantagens dos trailers é o fato de ficarem disponíveis na web. Foto: Reprodução

Maximilien, filho de Contardo, conta que, assim que leu o romance, pensou em produzir um filme para divulgação. “Foquei-me na atmosfera e no gênero do romance mais do que em detalhes específicos da sua narrativa, sempre com o cuidado de não revelar muito mais do que as primeiras informações que o leitor recebe antes de ler o livro”, aponta o produtor. Ele diz que teve contato com o formato quando fazia mestrado em Novas Mídias, em Nova York. “Acho que Contardo gostou bastante, e falou-se do trailer no Twitter dele. Pelo feedback da Companhia das Letras, e se consideramos o número de hits no Youtube, eu diria que, sim, o vídeo teve boa recepção”, conclui Maximilien.

Um dos que gostaram do resultado foi o escritor Michel Laub. Seu elogiado Diário da queda também foi transformado em trailer neste ano, a partir de uma sugestão da editora. “Dei algumas ideias, como o uso de fotos antigas minhas. Mas a concepção e o resultado em geral se devem à equipe que fez o filme”, expõe, satisfeito com o vídeo. Para ele, além da vantagem de serem baratas, essas produções ajudam a despertar a curiosidade em futuros leitores.

Miguel Sanches Neto foi atrás de construir seu book trailer. Atuante nas redes sociais e responsável por um blog, viu na criação do vídeo uma oportunidade para divulgar melhor o recém-lançado Então você quer ser um escritor?. Para ele, a postura do autor hoje em dia é outra. “Não basta apenas escrever – se é que um dia apenas isso bastou –, é preciso trabalhar o livro, criar espaços de reflexão sobre ele”, defende.

Para fazer o trailer, Miguel escolheu um trecho da obra e escreveu um roteiro, chamando depois o cineasta Douglas Machado, da Trinca Filmes, para a direção. O resultado, que contou com sua narração, o agradou. “As imagens captam de forma nervosa um ato tão comum entre os leitores: buscar um livro nas livrarias. A música é perfeita. E há uma parte publicitária que faz o reclame do livro”, observa.

INDEPENDENTES
Para além das grandes editoras, o mercado independente e as casas menores também dão atenção ao formato, tentando tornar a internet uma aliada na difícil competição com os livros de nomes consagrados e best sellers. Definindo-se como uma oposição às práticas convencionais do mercado, a gaúcha Não Editora já conta atualmente com belos trailers, dirigidos por Frederico Cabral, para duas de suas publicações. O primeiro foi A sordidez das pequenas coisas, de Alessandro Garcia.


A segunda edição de Pó de parede, da escritora gaúcha Carol
Bensimon, contou com um trailer de divulgação. Foto: Reprodução

“Nesse, eu tive a ideia de sair pela noite, buscar lugares que tivessem a ver com as histórias dele e filmar tudo, editar com uma locução feita por um ator de algum trecho do livro. Ele falou: ‘Tipo um book trailer?’, e eu concordei, embora nunca tivesse visto um”, relembra o diretor. Pó de parede, de Carol Bensimon, foi adaptado na sequência, depois que a autora gostou do resultado do primeiro vídeo. “Não me lembro exatamente de quem partiu a ideia, mas sei que logo todos estavam de acordo: eu, os editores e o diretor. Foi curioso, porque meu livro é de 2008, e lançamos o trailer agora, em 2011”, explica a escritora gaúcha. “Digamos que é para comemorar a segunda edição.”

Segundo ela, depois de uma reunião, para “afinar as visões”, Frederico coordenou a filmagem sozinho, com apenas algumas trocas de referências – incluindo a indicação da música que toca ao fundo – pela internet. Uma das preocupações do diretor era ser fiel ao original: “O trailer deve seguir o estilo e o clima do livro e as imagens que ele evoca. Tanto A sordidez como Pó de parede são obras sensoriais, embora de maneiras muito distintas”.

Samir Machado, um dos “não editores”, defende que um trailer não deve se restringir à encenação de uma passagem, dando prioridade à imagem, mas, sim, destacar a narrativa original – por isso, ele explica que não é ainda uma prioridade da casa fazer vídeos para todos os seus lançamentos. Para ele, o nível da produção ainda é baixo. “Para ser bem sincero, e correndo o risco de parecer arrogante, a maior parte dosbook trailers brasileiros, que vi, me deixavam constrangido ou entediado”, polemiza.

Na verdade, mais problemática que o questionamento da qualidade dos trabalhos é a impossibilidade de se medir seus resultados efetivos. Mesmo em campeões de visualizações, seria um completo chute tentar dizer que parte das vendas acontece por conta deles – e, com nisso, editores, autores acadêmicos, escritores e produtores concordam. Para Samir, eles são úteis quando apresentam as obras de uma nova forma para um público,

Michel Laub, além de ressaltar o pequeno custo de produção, vê na perenidade do resultado uma vantagem em relação à publicidade impressa – visão compartilhada por Carol. Assim, os vídeos terminam sendo uma introdução a quem procura informações iniciais na internet. Já Bruno Zolotar, da Record, ressalta que a finalização de um vídeo não é a etapa final de divulgação: é preciso ter um mecanismo eficiente para anunciá-lo em redes sociais. Mas anuncia: “É uma ferramenta que tende a crescer”. Então, antes de desprezá-los como modismo ou mero fenômeno publicitário, tome cuidado: você possivelmente já comprou um livro pela capa, e pode acabar comprando um deles pelo trailer. 

DIOGO GUEDES, repórter da Continente Online.

Publicidade

veja também

Franz Liszt: Um cabeludo que mudou o formato dos recitais

Evaldo Coutinho: Pensamento à espera de (re)leituras

Riso: Um personagem de todas as épocas