O início das atividades, como quase sempre, foi muito difícil. Vontade e ajuda das famílias dos atores foram essenciais na empreitada. Naquela época, Fábio Caio tinha um bar chamado De vento em polpa, no mesmo bairro em que fica hoje o ateliê. O estabelecimento virou point no Recife, frequentado pelo público descolado da cidade. E essa foi, possivelmente, como eles atestam, a fase de maior experimentação que viveram, por meio de encenações para crianças e performances para jovens e adultos, essas últimas inspiradas em filmes como Uma cilada para Roger Rabbit (1988).
Na sua jornada, o Mão Molenga ganhou dinheiro se apresentando em festas de criança, antes de circular por todo país no Projeto Palco Giratório, do Sesc, a partir de 2006. Um dos primeiros desafios que a trupe enfrentou foi dominar o disperso público infantil das festas, atraí-lo para a encenação, enquanto os pais se divertiam em suas rodas de adultos. Desde aquele início, o exercício de metateatro – falar dele no próprio fazer teatral – está presente em quase todas as montagens do grupo, assim como o humor, sua grande tônica. Outra especificidade da companhia é desenvolver coletivamente as produções, desde o serviço “sujo” (lixar, cortar, esculturar e modelar os bonecos) até a assinatura do texto e direção. Estreando em 1987, com o espetáculo O retábulo da Barafunda, os primeiros personagens Fanhoso e Cia conquistaram o público, e sobrevivem até hoje no ateliê do Mão Molenga.
O FIO MÁGICO
Este ano, percorrendo o país com a peça O fio mágico, no citado Projeto Palco Giratório do Sesc, o Mão Molenga conta a história de Gérard, um menino impaciente que recebe o dom de adiantar o tempo, manipulando o fio da própria vida. A ação, que acontece na primeira metade do século 20, utiliza-se de máscaras e bonecos em diferentes técnicas – como recortes, fantoches e manipulação direta – para contar uma parábola sobre o tempo e a importância de vivermos e aprendermos com todos os momentos. Como pano de fundo, deparamo-nos também com situações e temas atuais: dificuldades econômicas de uma família comandada por uma mulher, trabalho infantil, devastação do meio ambiente pela expansão das áreas urbanas e industrialização, conflitos armados, assim como o amor entre jovens.
A peça é baseada na ação das parcas da mitologia grega - Cloto, Láquesis e Átropos - e traz à cena bonecos originais, confeccionados partir das criações de Mozart Guerra, escultor pernambucano residente em Paris. Explorando o improviso e o humor, os manipuladores incorporam-se à trama como personagens e, ao mesmo tempo, narram e contracenam com os bonecos.
A concepção da peça também privilegia a música como elemento narrativo. A cenografia, composta em torno de uma mesa circular de tampo móvel e modulável, remete à forma e aos elementos de um relógio, ou à própria roda da vida. Uma “máquina do tempo” que permite mudanças rápidas de cena e alterações no lugar da ação dramática.
EM 24 QUADROS
As produções do Mão Molenga, em sua maioria, caracterizavam-se pela atuação no interior de uma tenda, com personagens confeccionados basicamente em espuma e tecido. Contudo, essa lógica de produção foi alterada a partir do convite, em 1998, para participar da série 500 anos, realizada pela Massangana Multimídia (Fundação Joaquim Nabuco) para a TV Escola/MEC e veiculada em todo país, o que acabou aproximando o grupo da linguagem cinematográfica.
Fábio, Fátima, Clara e Marconi são os atores manipuladores do Mão Molenga.
Foto: Mariana Leal
A série, com quatro módulos de seis a oito episódios cada, finalizada em 2002 e com 805 personagens nos roteiros, reproduz os principais personagens, acontecimentos e cotidiano de diferentes períodos da História do Brasil, apresentando um retrato sociocultural de cada época. Nela, os bonecos ganharam uma estética mais escultórica, com técnicas de papel machê. A textura deles precisava ser mais lisa, por exemplo, para que os materiais utilizados não chamassem mais a atenção do que a própria história que estava sendo contada no vídeo.
Depois dessa experiência, os trabalhos em vídeo não pararam mais. Destacam-se as campanhas do Festival Sesi Bonecos do Mundo, realizadas em 2004 e 2005, além de trabalhos para produtoras e instituições públicas e privadas, como Unicef, TV Jornal/SBT, REC Produções, Museu do Estado e Rede Globo Nordeste.
Com um quarto de século de experiência, o Mão Molenga comemora o feito com mais um espetáculo e investimentos na formação e teoria do teatro de bonecos. Os dois projetos foram inscritos no último editais de fomento da Fundarpe e da Funarte, este, aguardando aprovação.
Algodão doce é o nome do projeto aprovado, um espetáculo de formas animadas em que figuram atores-manipuladores, bailarinos, máscaras, bonecos e objetos. A peça remete aos processos da formação do povo brasileiro que definiram alguns dos seus traços identitários. A proposta é mostrar o amargo passado escravagista do país de forma lúdica e poética.
No plano da pesquisa, o grupo pretende aprofundar questões práticas e teóricas do fazer cênico em um livro, além de realizar oficinas abertas a não integrantes do Mão Molenga, instigando outros realizadores a dar continuidade ao teatro de bonecos.
Paralelamente, serão estabelecidas iniciativas em que seja possível uma aproximação do teatro de formas animadas a públicos portadores de deficiência, como surdos e cegos. Em O fio mágico, o Mão Molenga já exercita o trabalho com recursos táteis, além da audiotranscrição para cegos. Eles também experimentam apresentações para surdos com tradução simultânea na linguagem de sinais.
PEDRO PAZ, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.