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Entre fósforos e canivetes

TEXTO Nicole Cosh

01 de Abril de 2011

Nicole Cosh

Nicole Cosh

Foto Divulgação

Colecionar objetos é prática humana há milênios, e existem coleções que acompanharam seus donos até a morte, sendo com eles enterradas para deleite dos que as descobriram. No meu caso, coleciono caixas de fósforos, que hoje somam cerca de 600. Os objetos colecionáveis são, arriscaria dizer, quase infinitos: LPs, vassouras, casas de boneca, latas de cerveja, bottons e existe até o cantor que afirmou colecionar calcinhas de suas fãs.

Diante dos milhares de canivetes exibidos no Instituto Ricardo Brennand, questionei-me sobre o que faz uma pessoa reunir séries tão grandes de objetos. Alguns anos trabalhando ali, outros pesquisando e, ao mesmo tempo, também aumentava minha coleção. Bastava alguém viajar e eu pedia: “Traz um fósforo para mim?” Muitos colaboraram e, nessa busca por fósforos e por respostas sobre os canivetes e outros objetos reunidos pelo empresário pernambucano, deparei-me com Philippe Lejeune (2008) e suas pesquisas sobre as escritas de si. Seguindo seu pensamento, seria a coleção um tipo de autobiografia?

No caso da coleção de canivetes, creio que tal autobiografia é efetivamente escrita e assim lida pelos visitantes do Instituto. O público comenta, por exemplo, que Ricardo Brennand possui raízes europeias e é muito apegado à história do Brasil. Esses e outros registros colhidos em minha pesquisa de campo ratificam que o colecionador reuniu objetos de sua predileção, lidos pelo público como uma autobiografia, pois são indissociáveis de sua vida. Enquanto escrita de si, essa coleção exibe aspectos como a ascendência europeia ou o interesse pela cultura brasileira voltado para períodos históricos específicos.

Como se vê, Ricardo Brennand reúne mais do que armas em seus castelos, exibe aspectos de sua vida que deseja tornar públicos. Continua adquirindo novas peças, sem interesse por tipologias específicas, seguindo apenas a lógica da aglomeração. Pela amplitude dessa coleção, percebe-se o que move o colecionismo: a vontade de possuir o maior número possível de exemplares de um mesmo tipo de coisa – além da perenidade que a escrita por meio de objetos permite aos seus colecionadores (pois objetos podem ser mais duráveis que seus donos).

Colecionando, há, ainda, o desejo de obter objetos que – em sua categoria – são raros. Baudrillard (2006) comenta que completar uma coleção pode ser equivalente à morte do colecionador. Talvez isso explique a constante aquisição de novos objetos por Ricardo Brennand. No meu caso, ainda há muitas caixas de fósforos a serem acrescentadas; assim, creio que escolhi uma coleção que, talvez, permita minha longevidade...Quem sabe? 

NICOLE COSH, especialista em arte-educação, mestra em Antropologia e coordenadora dos Cursos de Bacharelado em Artes Plásticas e Bacharelado em Fotografia das Faculdades Integradas Barros Melo.

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