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Contraditos: Apenas uma retórica desconstrucionista

A título de discutir um suposto maniqueísmo da historiografia “politicamente correta” do Brasil, livro acaba reforçando preconceitos

TEXTO Luiz Carlos Pinto

01 de Abril de 2011

Imagem Divulgação

O Guia politicamente incorreto da história do Brasil, de Leandro Nardoch, editado pela Leya, conheceu o status de best-seller durante meses, no segundo semestre de 2010. O livro reúne histórias que se colocam diretamente contra aquilo que o autor chama “historiografia politicamente correta”. E, nesse caminho, o autor desfia “só erros das vítimas e dos heróis da bondade, só virtudes dos considerados vilões”. De fato, ele consegue o seu principal intento: uma pequena coletânea de pesquisas históricas escolhidas para enfurecer um bom número de cidadãos.

Infelizmente, ou felizmente, isso não é suficiente para atender à reivindicação por uma historiografia livre de uma moral edificante ou de heróis, vilões e vítimas. É difícil, aliás, identificar no Guia politicamente incorreto da história do Brasil alguma contribuição nesse sentido. Isso porque lhe falta uma reflexão sócio-histórica. E, como tal, o que prevalece é uma retórica desconstrucionista da noção de que índios e negros foram vítimas no processo de constituição das culturas brasileiras – e é precisamente essa fórmula que tem encontrado acolhida entre os leitores.

Retórica que se estende à imagem de Machado de Assis (por ter sido censor do Império), José de Alencar (que escreveu ao Imperador em defesa da escravidão), Jorge Amado (por ter aceitado escrever pago com dinheiro nazista), Graciliano Ramos (por ter escrito contra o futebol numa crônica de 1921), Gilberto Freyre (por ter elogiado a Ku Klux Klan) e Gregório de Matos (considerado pelo autor como “dedo duro”, por atacar desvios de conduta em seus poemas).

Preso à necessidade de desconstruir os mitos da chamada historiografia politicamente correta e denunciar que alguns dos heróis da nação eram picaretas, o livro flerta com o reforço do discurso que afirma o índio como sujeito preguiçoso e indolente; e o negro africano como não confiável. Nesse sentido, o caso do alcoolismo entre os índios, que se verificou em 1646, no Rio de Janeiro, é emblemático; assim como, no mesmo capítulo, a participação de indígenas na caça e genocídio de outras tribos durante a ocupação portuguesa; o desaparecimento dos indígenas, para o autor se deve também, além dos assassinatos e das doenças, à adoção pelos índios de costumes e de nomes portugueses. No mesmo sentido, o autor revela como a natureza europeia fascinou os indígenas – o universo de tecnologias, plantas, animais e modos de pensar trazidos do Velho Continente – e essa seria mais uma evidência da necessidade de superar a valorização da cultura indígena pregada por antropólogos e cientistas sociais.

O mesmo pressuposto é adotado quando da recuperação da história dos negros no Brasil. Havia africanos escravocratas no Brasil. O próprio Zumbi tinha escravos. Muitas das sociedades africanas eram escravocratas; na verdade, os próprios portugueses aprenderam com os africanos a comprar escravos, e os africanos lutaram contra o fim da escravidão. Esses são alguns dos pontos tocados pelo autor, quando trata da história da gente da África trazida à terra brasilis. Ainda que amparado por diversos “estudos sérios”, também esse capítulo padece da falta de uma análise que lhe permita ser mais que um conjunto de contraditos.

Mas o principal problema do Guia politicamente incorreto da história do Brasil é fazer com que o seu resultado final seja refém dos objetivos iniciais de seu autor, que é ex-jornalista da revista Veja. Em detrimento de uma visão mais globalizante e profícua, que contribuísse com a compreensão da virtuosa heterogeneidade do Brasil, o autor preferiu a generalidade a partir de casos específicos ou sem comprovação. 

LUIZ CARLOS PINTO, jornalista.

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