A volta dos mortos-vivos
TEXTO Daniel Buarque
01 de Abril de 2011
Foto Divulgação/'The walking dead' (seriado)
Eles estão por todos os lados. Os zumbis conquistaram a raça humana e podem ser vistos por todos os cantos. Na TV, no cinema, nas livrarias, na internet e nas ruas, não há expressão cultural que não tenha forte presença dos mortos-vivos, que se tornaram tão relevantes, que agora são estudados por acadêmicos de universidades pelo mundo afora.
Durante o Carnaval, centenas de curitibanos se fantasiaram de mortos-vivos numa caminhada pelo centro da cidade, em uma das últimas edições do evento globalmente conhecido como Zombie Walk – São Paulo, Nova York, Montreal e Sydney já tiveram desfiles semelhantes. São milhares de “devotos” desses seres em decomposição em todo o mundo.
As histórias de zumbis surgiram da crença espiritual afro-caribenha do vodu. Contava-se que indivíduos eram controlados magicamente, e a própria etimologia da palavra costuma ser ligada à ideia de fantasma, espírito, ou, de acordo com a cultura do Haiti, de uma pessoa que morre e volta à vida sem falar e sem livre-arbítrio. Segundo essa lenda, um morto pode voltar à vida pela ação de um feiticeiro, que passa a controlar o zumbi.
O tema se tornou parte da cultura pop nos anos 1960. Em 1968, George Romero lançou o filme A noite dos mortos-vivos. O filme foi um sucesso, e deu início à tomada dos zumbis em outras áreas da cultura.
Segundo um estudo recente, na última década, mais de 300 filmes sobre zumbis foram lançados no mundo. Somente em 2009, foram publicados mais de 200 livros em inglês com a palavra zumbi no título. Nos Estados Unidos, no ano passado, a série de TV de maior audiência foi o The walking dead, que mostra um mundo dominado por zumbis em que humanos não infectados tentam sobreviver.
Em 2009, uma das principais obras da escritora britânica Jane Austen foi apropriada pela subcultura zumbi. Através do trabalho de Seth Grahame-Smith, Orgulho e preconceito foi reescrito para se tornar uma história em que os zumbis dividem espaço com os conflitos amorosos e de classe na Inglaterra da virada do século 19. Na introdução de Orgulho e preconceito e zumbis, a narradora alerta que “um zumbi que tem miolos, sempre quer mais miolos”.
Segundo a escritora responsável por adaptar a obra de Austen, os zumbis, apesar de ameaçadores, são amáveis, engraçados, e servem facilmente como metáfora para outros males do mundo. De fato, a ideia de zumbi como metáfora é bem comum na sociedade contemporânea e ela já foi aplicada para diferentes tipos de doenças, para confusões populares e até mesmo como comparação da dialética marxista.
Os zumbis da cultura, entretanto, apesar de se inspirarem na tradição vodu, têm características diferentes. Os mortos-vivos de filmes e livros são monstros em decomposição, sem mente e que não sentem dor e se alimentam de carne humana, especialmente de cérebro. Eles perseguem pessoas, que são infectadas nesse contato. Sempre aparecem em histórias que tratam do fim dos tempos trazido pelos mortos-vivos.
Segundo Max Brooks, autor de algumas das obras de ficção que mais exploraram o mito dos zumbis em uma atmosfera de realidade, outros monstros da ficção também amedrontam indivíduos. O fascínio dos mortos-vivos está no fato de que eles ameaçam toda a humanidade. Entre as obras de Brooks, está Guerra Mundial Z, considerada a descrição mais realista de como seria um ataque zumbi na Terra. No livro, os primeiros desses seres aparecem na China, mas logo são registrados casos no Rio de Janeiro e em todo o mundo. A ficção é uma “história oral” dessa guerra contra os mortos-vivos. Uma adaptação do livro está em produção e brevemente chegará aos cinemas.
Assim, o que começou com o cinema, livros, video games, histórias em quadrinhos e cultura jovem começa a aparecer também em trabalhos ligados à academia. A revalorização do tema fez com que fossem produzidas cerca de 100 publicações acadêmicas tratando dos mortos-vivos.
Em um dos mais importantes desses estudos, quatro pesquisadores canadenses levaram a questão para o lado científico. Philip Muns, Ioan Hudea, Joe Imad e Robert Smith publicaram, em 2009, uma pesquisa sobre ataques zumbis do ponto de vista biológico.
Eles desenvolveram um modelo matemático para um suposto ataque desse tipo, analisando os efeitos de uma epidemia. Partiram das informações mais comuns em ficção sobre zumbis para desenhar “soluções numéricas” para a infecção no mundo. O estudo, por mais bobo que possa parecer, é a base de planejamento para lidar com o problema, considerando as formas de tratá-lo, esquemas de quarentena e até mesmo a busca por uma cura, objetivando a erradicação dos zumbis. A tese deles é que somente com ataques rápidos e agressivos seria possível evitar um cenário de colapso da sociedade por conta desses monstros. Os estudiosos canadenses defenderam que, mesmo não se tratando de uma questão exatamente realista, o estudo serve para desenvolver cenários para infecções imprevistas, que é um grande desafio para a Biologia.
Em uma linha semelhante, e se baseando em trabalhos desses cientistas e no de escritores como Brooks, Daniel Drezner, pesquisador da Universidade Tufts (Massachusetts, EUA), projetou o ataque zumbi no mundo para analisar seus efeitos sobre as relações internacionais. Ele diz que apenas parte do mundo estaria pronta para lidar com os efeitos de um hipotético ataque desse tipo. A tese dele integra o livro Principles of international politcs and zombies (Princípios de política internacional e zumbis), que foi publicado neste ano pela editora da Universidade Princeton, nos Estados Unidos. “É um livro que tenta ser ao mesmo tempo sério e engraçado”, explica.
A pesquisa dele usou como base os trabalhos existentes sobre “política de desastre”, que é como os estados respondem a problemas parecidos com zumbis, como pandemias, furacões, terremotos, bioterrorismo. Segundo ele, zumbis são um exemplo clássico do que os departamentos de inteligência dos Estados Unidos chamam de “desconhecidos desconhecidos”, que são ameaças não antecipadas para as quais o governo quer estar preparado.
DANILE BUARQUE, jornalista e autor de Por um fio – O mundo explicado pelo telefone.