Entre os “filhos” desse contexto favorável, o grupo numeroso de cineastas que forma a produtora Alumbramento Filmes vem se destacando em importantes festivais do país. O coletivo, tal qual existe hoje, foi criado no ano de 2006, na época em que ganhou o incentivo do DocTV para filmar o longa-metragem Sábado à noite. Naquele momento, os integrantes perceberam a necessidade de ter uma produtora para organizar ações, buscar investimentos, disputar incentivos. Ao todo, a Alumbramento é composta, atualmente, por 13 pessoas: Luiz e Ricardo Pretti, também conhecidos como os Irmãos Pretti, Guto Parente, Ivo Lopes Araújo, Fred Benevides, Danilo Carvalho, Mariana Smith, Maíra Bosi, Ythallo Rodrigues, Themis Memória, Rúbia Mércia, Thais de Campos e Glaucia Soares.
“Foi um encontro de pessoas muito próximas, amigas, que já estavam produzindo juntas, pensando cinema juntas.” É dessa forma que Luiz Pretti avalia o surgimento da produtora, que mantém laços afetivos e profissionais com outros realizadores, como Pedro Diógenes e Uirá dos Reis. Essa afinidade prévia entre os membros da Alumbramento parece uma fórmula certeira para intensificar a criação audiovisual, a partir de procedimentos de valorização mútua das produções de cada um dos componentes do grupo. Quando assistem e avaliam o trabalho uns dos outros, a vontade é de potencializar a expressividade cinematográfica. “Não há egos. A gente decidiu se acompanhar; então, a competição não tem sentido”, comenta Fred Benevides.
Desde 2008, quando Sábado à noite foi premiado na 11ª Mostra de Cinema de Tiradentes, a Alumbramento se tornou assídua do festival. Foto: Divulgação
O grupo parece ter levado ao pé da letra o comentário do diretor Rogério Sganzerla, quando afirmou que “a amizade é a matéria-prima de qualquer cinema de envergadura”. Assim, o resultado dessa parceria é uma inquietude estética que está se alastrando não só pelo Ceará, mas por todo o país. “Outras pessoas fazem filmes que acham que se comunicam com a nossa proposta, e divulgam como um ‘filme alumbramento’, às vezes à revelia da produtora”, conta Fred. Mas, ao contrário do que se pode imaginar, esse fenômeno não agride ou incomoda os integrantes do coletivo: “Alumbramento é um estado de espírito e a ideia é espalhar, não fechar num grupo para legitimar uma estética”, completa.
Também é importante ressaltar a não restrição geográfica para o estabelecimento de identificação com outros filmes. A nomenclatura “cinema cearense” menciona, sim, o cinema produzido em uma localidade específica do país, mas não pretende estabelecer um conceito uno da manifestação audiovisual desse lugar. Tampouco obriga os realizadores a estarem necessariamente (e exclusivamente) em sintonia com seus conterrâneos. No caso da Alumbramento, destaca-se o diálogo que estabelece com as produtoras pernambucanas Símio Filmes e Trincheira Filmes e com a mineira Teia, no tocante à experimentação da linguagem cinematográfica, na direção de um “cinema de risco”.
TRAJETÓRIA
Desde 2008, quando o filme Sábado à noite, de Ivo Lopes Araújo, foi premiado pelo Júri Jovem na 11ª Mostra de Cinema de Tiradentes, a produtora cearense pautou muitas discussões audiovisuais no país. A partir de então, seus integrantes se tornaram habitués do festival mineiro. Na edição de 2010, o coletivo saiu consagrado com os prêmios do Júri da Crítica e do Júri Jovem pelo longa-metragem Estrada para Ythaca. Em Tiradentes, eles também exibiram, nos últimos três anos, os curtas-metragens Às vezes é mais importante lavar a pia do que a louça ou Simplesmente Sabiguaba, Azul, Flash happy society e As corujas.
Em janeiro deste ano, Luiz Pretti, Ricardo Pretti, Guto Parente e Pedro Diógenes, os mesmos nomes que partilham a concepção do filme Estrada para Ythaca, voltaram à mostra para exibir o seu mais novo projeto, Os monstros. Na ocasião, o cineasta Ythallo Rodrigues também apresentou o curta-metragem Lampião.
É de se esperar que esses projetos cheguem ao público recifense pelo IV Janela Internacional de Cinema, já que o festival, sob direção artística de Kleber Mendonça Filho, vem acompanhando a trajetória do coletivo desde sua primeira edição, em 2008, quando exibiu e concedeu menção honrosa ao filme Longa vida ao cinema cearense, dos Irmãos Pretti.
Quando o assunto é a produção da Alumbramento, fica difícil estabelecer os limites estilísticos e técnicos das obras. Mais frustrante é tentar classificar ou categorizar o trabalho dos cineastas sem soar redutor. A produção do coletivo possui um conjunto de aspectos recorrentes, porém não obrigatórios.
A preocupação em transmitir sentimentos e retomar ambientações percorre a trajetória do grupo, principalmente explorando um modo operacional de observação minuciosa do mundo, das pequenas ações. Outra característica presente em vários filmes é certa dilatação do tempo, resultado de uma desaceleração na representação das experiências.
Mas, como dito anteriormente, é difícil imaginar esses elementos como obrigatórios. O essencial de sua produção, ao que parece, é o compromisso e o manifesto por um cinema afetivo e incerto, como avaliou o próprio Fred Benevides: “O que os trabalhos têm em comum é o risco, eles nunca surgem de uma ideia cômoda. Nunca é um projeto que, a priori, a gente já sabe que vai dar certo”. Outra peculiaridade da Alumbramento Filmes é a economia de diálogos, muitas vezes combinada a minimalismos estéticos. Os filmes – que para alguns podem parecer herméticos – estão na maioria das vezes falando de nós mesmos, de impasses, assombrações e conflitos íntimos.
GIANNI PAULA DE MELO, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.