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Cupcakes: A sensação dos bolinhos enfeitados

Esses doces são fofos, coloridos, açucarados e estão em superevidência. Mas qual o motivo que os faz vedetes cobiçadas: a aparência ou o sabor?

TEXTO RENATA DO AMARAL
FOTOS ISABELLA VALE

01 de Março de 2011

Cores lúdicas, como o azul-xampu e o branco-pompom, fazem do cupcake uma espécie de guloseima de conto de fadas

Cores lúdicas, como o azul-xampu e o branco-pompom, fazem do cupcake uma espécie de guloseima de conto de fadas

Foto Isabella Vale

Preocupada com a diminuição repentina de sua estatura, Alice fica em dúvida se come ou não aquele pequeno bolo com as palavras “coma-me” escritas com groselha. A receita dentro da caixinha de vidro, embaixo da mesa, ao contrário do conteúdo da garrafinha, bebido antes, faz com que ela cresça. Fosse o escritor Lewis Carroll nosso contemporâneo, é provável que essa guloseima do país das maravilhas tivesse a forma de um irresistível cupcake confeitado.

Parte da culpa pela atual febre açucarada dos bolinhos pode ser atribuída a uma velha conhecida das mulheres na faixa dos 30 e poucos anos: Carrie Bradshaw, a personagem do seriado Sex and the city que catalogou em uma seção de jornal todo o comportamento amoroso de sua geração. Bastou a moça aparecer com a amiga Miranda Hobbes, em um banco de praça, lambendo os lábios sujos de glacê e falando de pretendentes, para a mania estourar.

Mas aquele não era um bolinho qualquer. Instalada há 15 anos em Greenwich Village, em Nova York, a doçaria Magnolia Bakery virou o símbolo da era do cupcake. Com uma mãozinha da TV e do cinema, os cobiçados doces da loja são motivo para filas de espera à porta. Foi assim que a massa fofinha com cobertura de buttercream (uma mistura de manteiga e açúcar que não resistiria ao calor pernambucano) em tons pastéis ganhou o mundo.

Não foi apenas o seriado, extinto em 2004, que ajudou a colocar a marca da Magnolia – e, de resto, os cupcakes – na boca do povo. Ela também aparece no filme O Diabo veste Prada (de David Frankel, 2006). Em Terapia do amor (de Ben Younger, 2005), o uso é menos lisonjeiro – um personagem compra bolos na casa para um fim inusitado: jogá-los na cara das meninas que dão o fora nele, sem nenhuma sutileza.

Se a culpa é de O Diabo veste Prada. com Meryl Streep no papel de Miranda Priestly, editora da revista Runway, não se sabe. Mas o fato é que os blogs de moda aderiram ao culto do cupcake e, entre uma roupa e outra, fogem do tema e terminam falando do bolinho. Sua presença é garantida nos encontros em salões de beleza regados a um inevitável prosecco. Eles também são frequentes em blogs de gastronomia, claro, mas ali sua presença não é estranha.

Aliás, seria mesmo esquisita essa associação com a moda? Quando o cupcake vira fetiche, não tanto. É o que diz o colunista Marcelo Coelho, em artigo publicado na Folha de S.Paulo: “Não como, mas já passei pelas lojas especializadas no produto; são verdadeiras butiques, com seus bolinhos coloridos expostos como se fossem anéis ou relógios de pulso numa joalheria”. Mais do que comida, o bolo virou bibelô. Afinal, agora ele não é até lembrancinha de casamento?


Bruna Siqueira comprou acessórios para confeccionar os seus
bolinhos

“São, na verdade, bolos de brinquedo, apelando para cores suaves: o rosa-fita-de-cabelo, o azul-xampu, o branco-pompom. Correspondem não mais a um doce real, mas à guloseima do conto de fadas. ‘João e Maria’, eis um bom nome, quem sabe, para uma loja dessas”, ironiza. Tanta perfeição em miniporções acaba virando um passo no caminho da individualização da nossa vida gastronômica, conclui Coelho.

DEUSA DOMÉSTICA
Como nem todo mundo tem uma loja especializada em cupcake ao lado de casa, às vezes é preciso colocar a mão na massa. Para isso, pode-se contar com a ajuda das divas televisivas da cozinha. Não é por acaso que o livro de Nigella Lawson – cujo título promete ensinar as mulheres a serem deusas domésticas (How to be a domestic goddess) – traz na capa um singelo exemplar. De açúcar com afeto ela entende.

Mas quem publicou um verdadeiro tratado sobre a arte dos cupcakes foi Martha Stewart. Lançado em 2009, seu livro sobre o tema traz nada menos do que 175 receitas. Sim, aquela mesma, a apresentadora que ficou presa durante cinco meses, entre 2004 e 2005, acusada de crime no mercado financeiro. Por que será que a prisão feminina Alderson Federal Prison Camp, onde ela ficou, foi apelidada pela mídia americana de “Camp Cupcake”?

A estudante de administração Bruna Siqueira gosta tanto dos bolinhos, que comprou assadeira de teflon para 12 unidades, forminhas coloridas e confeitos de estrelinhas. Não é receita para o dia a dia, mas para ocasiões especiais, como aniversários. Chocolate com brigadeiro e chocolate branco com doce de leite são as versões favoritas. “Acho que eles fazem tanto sucesso porque são um mimo!”, opina.

Luís da Câmara Cascudo não chegou a conhecer os cupcakes, mas faz coro ao teor festivo dos bolos no livro História da alimentação no Brasil: “A presença dos bolos sugere recepção, visita, novidade social. Comparecem à ceia cerimoniosa ou à sobremesa do jantar solene. Sempre houve intenção ornamental no acabamento boleiro. Enfeitavam-no com arabescos de açúcar, flores de papel, a linda ciência do papel recortado, dando maravilhas.”

Num passado bem recente, Bruna tinha dificuldade para encontrar os apetrechos necessários à confecção do bolinho. A loja Irmãos Haluli, fundada em 1962 no bairro de São José, centro do Recife, teve de se adaptar aos novos tempos. Segundo o gerente David Haluli, eles já tinham alguns produtos, mas a demanda começou a crescer há seis meses, quando os cupcakes começaram a aparecer mais na mídia.


A loja Pavlova surgiu com o intuito de satisfazer quem deseja comer cupcake a qualquer hora

A casa vende forminhas coloridas, assadeiras, caixinhas e confeitos em formato de coração, estrela, confete. Alguns itens só agora passaram a ser fabricados no país. Mas ainda falta muita coisa para o comerciante e a moda tem muito a se desenvolver. “Ele é agradável aos olhos do consumidor”, diz Haluli, que avisa que a loja promove até cursos específicos sobre o assunto.

BOLO DE BACIA CHIQUE
Em Pernambuco, é comum que o cupcake seja confundido com outro bolinho que faz sucesso por essas bandas, desde muito antes: o bolo de bacia. O sociólogo Gilberto Freyre, no livro Açúcar, conta que o modo de preparo aparece no primeiro livro de receitas português, Arte de cozinha (1680), de Domingos Rodrigues. Levava manteiga, ovos, farinha e amêndoas, além de uma tal “água de flor” que, provavelmente, era de laranjeira.

A obra de Freyre traz duas receitas de bolo de bacia à moda de Pernambuco, ambas com ovos, massa de mandioca, açúcar, manteiga e leite de coco. Nem essas fórmulas nem a anterior se assemelham ao que hoje conhecemos com esse nome: um bolo branco e fofo, vendido em um saco plástico transparente. O mais famoso era servido na Cristal Bar e Lancheria (1955-2009), no Bairro de Santo Antônio, que, desde janeiro deste ano, deu lugar a um banco de crédito.

Já o pesquisador Roberto Benjamin atribui, no artigo Doçaria e civilização: a preservação do fazer, a origem do bolo à influência inglesa, responsável por “uma contribuição marcante de sua malfalada culinária, tanto nas chamadas ‘comidas de panela’ em que se salientam o rosbife e os cozidos e assados de carneiro, como nos pudins e bolos (de bacia, inglês, de frutas)”. De fato, é com o bolo inglês que ele mais se parece.

Segundo a professora de pâtisserie Tânia Bastos, o bolo de bacia era feito com 50% de massa de mandioca e 50% de trigo. Como a mandioca foi se valorizando em relação à farinha, passou a ser feito só de trigo mesmo. Quanto à origem dos cupcakes, Alan Davidson e Tom Jaine afirmam, no livro The Oxford companion to food, que eram apenas bolos feitos na xícara ou que a usavam como medida. O nome surge no século 19, na Inglaterra e nos EUA.

Não ouse, porém, fazer esse tipo de comparação na frente de uma cupcakeira. “O cupcake só lembra o bolo de bacia no formato”, afirma Tânia, que prepara a iguaria sob encomenda. Ela faz bolos há 10 anos, mas entrou na onda dos bolinhos há dois. O tamanho e a beleza são os atrativos principais, em sua opinião. Chocolate com ganache é a receita mais pedida, mas morango, Nutella e Ovomaltine também fazem sucesso.

ESTRELA DA FESTA
Casamentos, aniversários e festas infantis são o habitat ideal do doce. Por isso mesmo, ele quase sempre é pedido por encomenda. As doçarias tradicionais já começam a vendê-lo, ao lado das tortas maiores. Mas uma pequena casa no Bairro do Pina nasceu, há um ano e quatro meses, com o intuito principal de abrigar quem deseja comer cupcake a qualquer hora.


Na Cuppies, os sabores de chocolate, baunilha e red velvet (de cacau avermelhado) são os mais encomendados

A Pavlova, de Sandra Massa e Tatiana Peló, mãe e filha, é vintage até no nome, que remete a uma sobremesa neozelandesa cheia de merengue, criada para homenagear a bailarina russa nos anos 1920. Sandra fez um curso nos EUA para aprender a receita, mas adaptou-a ao paladar local, já que o creme de manteiga tradicionalmente usado na cobertura derrete com o calor. Apesar de também servir tortas, o foco é no bolinho em miniatura.

As misturas propostas pelos clientes geram o milagre da multiplicação dos sabores. O creme de chocolate, por exemplo, pode vir com banana, damasco ou ameixa. Se a pedida é a bonitinha, mas pouco saborosa pasta americana, ela toma cuidado para não diminuir o recheio – nem o sabor. Em uma rua escondida, a casa ganhou fama depois de firmar parceria com um site de compras coletivas, quando foram vendidas 800 caixas com seis unidades.

Também há histórias de quem largou tudo para fazer encomendas em casa ou em ateliês. Adriana Diniz era advogada tributária e deixou o emprego depois dos preparativos do seu casamento, quando resolveu levar os bolos a sério. Hoje, oferece mais de 70 combinações. Metade dos pedidos é para festas, metade para presentes. “Muitas adolescentes compram para dar ao namorado”, afirma. Brigadeiro é o campeão de vendas, numa adaptação bem brasileira.

A publicitária Gabriela Breckenfeld foi outra que decidiu trabalhar apenas com os doces, junto com a mãe, Branca Viriato. A Love Cakes já fazia brownie há dois anos e vende cupcakes há seis meses, em sabores como baunilha com creme de frutas vermelhas e laranja com ganache de chocolate. A dupla, que também faz oficinas para crianças em festas infantis, se prepara para abrir uma loja em Casa Forte, em maio.

Professora de inglês, formada em Comunicação, Natalie Estrela caiu de amores pelos “bolinhos fofinhos”, depois de tanto vê-los no cinema. Há dois anos, abriu a Cuppies, na qual chocolate, baunilha e red velvet (de cacau avermelhado) são os mais encomendados. Como substituto para o buttercream, ela usa um tipo de marshmallow feito com leite. “Cupcake mexe com o lúdico, com o imaginário”, diz.

As irmãs Laura Campelo e Catarina Santos moraram nos Estados Unidos e tiveram contato com o bolinho desde a infância. Abriram o ateliê Dona Cupcake e elaboraram 2 mil unidades só em dezembro. As mulheres respondem por 90% das encomendas. “Mais que um bolo, o cupcake é quase um bombom”, afirma Laura. Ela acha que a mania não vai cansar, por causa da variedade de opções – algo que não existe nos EUA, onde as receitas são mais básicas.

Na Cups n’ Cakes, a professora de inglês Tatiana Roldan confeita suas encomendas nas horas livres. São 14 opções de massa, 15 de recheio e 10 de cobertura. “É claro que dou dicas para que os sabores não fiquem estranhos ao paladar”, ressalta. Como a maioria das colegas, ela não crê que seja uma moda passageira. “Bem-adaptados ao paladar brasileiro, os cupcakes vieram, sim, para ficar. Afinal, o que é um cupcake, senão um bolo delicioso na medida certa?” 

RENATA DO AMARAL, jornalista, doutoranda em Comunicação. 
ISABELLA VALE, fotógrafa.

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