Outro aspecto em comum, nesses casos de refilmagem, é que todos os novos roteiros mantêm os aspectos dramatúrgicos da progressão da trama, mas sempre transpõem a ambientação geográfica e cultural para algum ponto dentro do território dos Estados Unidos, além de eliminar da trama todos os aspectos exóticos que possam soar estrangeiros demais para o americano médio. O clima de repressão política na Argentina (pano de fundo de O segredo dos seus olhos), a viagem de bicicleta feita entre países (quando ocorre um evento crucial da trama de O silêncio do lago) e o polvo engolido vivo (cena de Oldboy) são aspectos retirados dos remakes. Afinal, pelo raciocínio dos produtores, nada disso faria sentido para o público-alvo dessas produções, para quem esse tipo de experiência cultural soa como incompreensível.
Esse raciocínio explica, em parte, um enigma que tem assombrado todos os estudiosos desse fenômeno: por que Hollywood simplesmente não lança os filmes originais, ao invés de perder tempo e dinheiro refazendo as obras, muitas vezes com resultados que copiam plano a plano os originais (caso do austríaco Funny games, de Michael Haneke, de 1997, refilmado pelo próprio diretor em 2007, e até mesmo do mitológico Psicose, de Alfred Hitchcock, refeito em cores por Gus Van Sant, em 1998, numa estratégia equivocada de marketing, que quase enterrou a carreira do respeitado diretor independente)? A resposta, no entanto, admite ainda uma série de variáveis que precisa ser considerada.
BILHETERIA
A principal delas é a rejeição do público americano aos filmes realizados em outras línguas. As estatísticas mostram que, de 1980 a 2010, quase 997 longas-metragens de língua não inglesa foram lançados oficialmente nos cinemas dos Estados Unidos. No entanto, 70% desse total tiveram bilheterias inferiores a US$ 1 milhão, o que faz com que qualquer obra a ultrapassar essa cifra seja considerada um “sucesso” (para filmes em inglês, uma arrecadação inferior a US$ 50 milhões é sempre contabilizada como fracasso). Em 30 anos, somente 24 filmes não falados em inglês ultrapassaram os US$ 10 milhões arrecadados dentro dos EUA (entre eles, O labirinto do fauno, de Guilermo del Toro, e Diários de motocicleta, do brasileiro Walter Salles, ambos vencedores de categorias técnicas do Oscar). Esse número cai para nove, se a barreira a ser superada for de US$ 20 milhões. A lista é liderada por O tigre e o dragão (2000), de Ang Lee – único título a superar os US$ 100 milhões arrecadados – e inclui o italiano A vida é bela (1998) e o chinês Herói (2004), nas três primeiras posições.
Deixe-me entrar (2010), versão americana do sueco Deixe ela entrar (foto), de 2008, recebeu diversos elogios da crítica internacional. Foto: Divulgação
Nem sempre foi assim. Nos anos 1960, auge da Nouvelle Vague – e é importante ressaltar que, se os filmes de François Truffaut, Jean-Luc Godard e conterrâneos não chegavam a ser exibidos nas cidades rurais dos EUA, eram extremamente populares entre universitários e junto ao público jovem intelectual de grandes metrópoles das costa oeste (Los Angeles, San Francisco) e leste (Nova York, Miami) –, cerca de 10% da arrecadação financeira do circuito de exibição cinematográfica do país vinham de filmes estrangeiros. Essa cifra havia caído para 7% em 1986, quando o fenômeno das refilmagens realmente ganhou corpo. De lá para cá, o número despencou para menos de 1% em 2009. Em outras palavras: o mercado cinematográfico para filmes não ingleses nos Estados Unidos vem encolhendo dramaticamente.
Onde estaria a origem desse encolhimento? Mais uma vez, a resposta vem de aspectos culturais. O star system – tendência natural do público consumidor de cultura popular a transformar uns poucos atores e atrizes em grandes celebridades, cujos rostos familiares atraem mais pessoas para os cinemas do que os elogios da crítica ou o nome do diretor – contribui bastante para que os filmes estrangeiros, carentes de astros, passem despercebidos. O circuito exibidor contemporâneo, com cadeias de entretenimento que procuram oferecer menos opções de filmes para, assim, maximizar o lucro com as produções de maior potencial, também prejudica os filmes mais obscuros. Por fim, há uma questão cultural importantíssima, que é o obstáculo final às produções estrangeiras em Hollywood: as legendas.
A Motion Picture Association of America (MPAA) calcula que sete em cada 10 espectadores dentro dos Estados Unidos não assistem a filmes legendados. Acostumadas a ver a produção cinematográfica maciça ser falada na própria língua, essas pessoas não se sentem confortáveis para ler legendas. Há um componente cultural nessa rejeição – a força do hábito –, mas, de todo modo, existe também um componente puramente cognitivo: ao ter que dividir a atenção com a leitura de legendas, o espectador reduz significativamente o tempo dedicado à interpretação daquilo que vê na imagem. O processamento cognitivo de informações visuais é simplesmente maior para quem precisa lidar com as legendas, e isso termina por afastar aqueles que não exercitam esse hábito com frequência.
CRISE CRIATIVA
Alguns críticos e pesquisadores também têm levantado, nos últimos anos, suspeitas de que os roteiristas norte-americanos têm passado por uma suposta crise criativa, algo que poderia ser comprovado pela tendência massiva de refilmagens de grandes sucessos do passado, inclusive norte-americanos (A fantástica fábrica de chocolate, o vindouro O mágico de Oz), e também pela preferência acentuada dos produtores por franquias de sucesso (O senhor dos anéis, Harry Potter, Crepúsculo, os filmes da série Batman) e adaptações de outras mídias, como quadrinhos e videogames (Scott Pilgrim contra o mundo,300, Sin city). No entanto, é difícil sustentar essa afirmação a partir de estatísticas, uma vez que os roteiros originais são historicamente menos numerosos, e isso nunca foi garantia de qualidade.
De todo modo, é importante olhar de modo crítico o preconceito atávico da comunidade cinéfila, para quem o fato de carregar consigo o status de remake faz de qualquer filme um produto de menor qualidade. Embora a maior parte das refilmagens dilua a força do original, seja limitando-se a atualizar os efeitos especiais (O planeta dos macacos, de Tim Burton) ou eliminando dos personagens qualquer tipo de complexidade moral (Vanilla sky, de Cameron Crowe), existem as sempre bem-vindas exceções, em que os diretores das versões mais recentes conseguem incluir temas ou comentários críticos de ordem pessoal ou social. É o caso de Os infiltrados e de Let me in, remake do sueco Deixe ela entrar, coberto de elogios pela crítica internacional.
RODRIGO CARREIRO, mestre em Comunicação, professor do curso de Cinema da UFPE e editor do Cine Repórter.