Artistas como o pernambucano Lourival Cuquinha, 35, são nomes da nova geração que, de alguma forma, trazem nas veias um tipo sanguíneo parecido com o de Hélio. Obviamente, o contexto atual é outro e a maneira de se lidar com o mundo também, não vivemos mais sob o regime militar e o circuito de arte no Brasil também mudou. “Vivo do operariado do edital”, brinca Cuquinha, referindo-se ao jeito mais comum que os artistas contemporâneos, sobretudo os brasileiros, encontraram hoje para sobreviver. Essa situação vem mudando para ele, que tem passado a vender mais seus trabalhos.
O trabalho gira em torno é uma instalação interativa, resultante das experiências do artista como imigrante na Inglaterra. Imagem: Lourival Cuquinha
De uma forma ou de outra, os ecos de Oiticica continuam fazendo barulho até hoje e ganham novos contornos. O próprio pernambucano já "surrupiou" um Parangolé do MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio de Janeiro e saiu pelas ruas da capital carioca fazendo uma performance com o objeto feito para vestir – obra símbolo do artista carioca. Claro que isso lhe trouxe complicações, mas também lhe rendeu outros trabalhos.
Transitando no limite das convenções sociais, Cuquinha explora diferentes linguagens e se identifica com essa história de não separar arte de vida – discurso, aliás, bem recorrente na arte contemporânea. Utilizando o cotidiano como mote, gosta de mostrar como as leis são relativas, bagunçar regras sociais. O que é crime em um contexto pode não ser em outro. A venda de drogas é ilegal em boa parte do mundo, mas na arte pode ser consentida, por exemplo.
Instalação exposta no Recife e performance
realizada no Rio de Janeiro (foto seguinte),
após o "empréstimo" do parangolé de Oiticica.
Foto: Vládia Lima/Divulgação
O artista conta que, na fronteira da Suíça com a França, em 2006, chegou a ser pego com vários de seus colares feitos para o projeto Artraffic, a partir de pedaços de haxixe. Conseguiu ser liberado pelos policiais depois de convencê-los de que aquilo era arte. Ironicamente, foi com esse trabalho que começou a ganhar dinheiro no ramo, fora dos editais públicos. Vendeu seus adornos entorpecentes em exposições na Europa e no Brasil, e chegou a faturar quase R$ 20 mil em três anos. Por questões de vínculos pessoais em sua fase atual, o “artista-traficante” achou por bem "matar" o trabalho. Em breve, os colares poderão ser vistos como espécies de relíquias penduradas em ex-votos.
Foto: Karen Black Barros/Divulgação
As produções selecionadas para esta seção, incluindo Artraffic, são sintomáticas para entender um pouco do espírito criativo de Cuquinha – desde o registro da intervenção urbana com os varais, que o projetaram do Recife para outras cidades do mundo, até o projeto Jack Pound, que resultou numa bandeira com mil libras em notas costuradas, leiloada no ano passado. Há ainda produções inéditas, como O trabalho gira em torno, instalação interativa resultante de suas experiências como imigrante em solo britânico, onde vive atualmente; ela vai estar na exposição Topografia suada de Londres, programada para entrar em cartaz no Centro Cultural Correios, no Recife (ainda sem previsão de data).
O projeto Jack Pound resultou numa bandeira com mil libras em notas
costuradas, leiloada no ano passado. Foto: Daniel Barros/Divulgação
Enquanto não chega à capital pernambucana, podemos conferir um resumo do que tem sido Lourival Cuquinha desde que largou o Direito, há mais de 10 anos, para se jogar no território da arte, em que se pode quase tudo, desde que o artista e um punhado de gente acreditem na verdade inventada.
OLÍVIA MINDÊLO, jornalista, mestranda em Ciências Sociais.