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O inexorável tridimensional

TEXTO Marcelo Pedroso

01 de Janeiro de 2011

Marcelo Pedroso

Marcelo Pedroso

Foto Divulgação

No recorrente debate envolvendo cinema e tecnologia, parece sensato evocar um sujeito que, nos últimos 50 anos, nunca parou de filmar e sempre soube se posicionar com propriedade e até mesmo antecipação diante das diferentes mudanças de plataformas e paradigmas da arte.

“A cultura é a regra, a arte é a exceção.”

É com essa frase que Jean-Luc Godard arma seu modesto e ao mesmo tempo grandioso Je vous salue, Sarajevo. O curtinha de dois minutos, disponível no Youtube, é dessas obras capazes de tecer comentários amplos e precisos sobre diversas coisas. O entrelaçamento entre arte e vida, por exemplo. Ou a relação de forças entre estética e política. A última Bienal de São Paulo, realizada em 2010, adotou esse binômio como tema central. O vídeo foi estratégica e sutilmente posto numa tela logo na entrada do piso térreo da exposição e dali passou a servir como um farol de alta voltagem para quem quisesse ver, ouvir e sentir o que se era dado a experimentar nos demais pavimentos.

Mas aqui, concentremo-nos na afirmação de Godard para o que ela pode nos sugerir sobre as transformações por que está passando o cinema, especialmente com a chegada do 3D, artifício irresistível que, num prazo de talvez 10 ou 15 anos, terá substituído o delgado feixe de luz atualmente projetado nas salas por desconcertantes imagens que roubam da tela sua planitude e chegam à ponta do nariz dos que assistem.

Estranho, porém, é pensar no 3D como uma revolução, como vem propagandeando a indústria cinematográfica. Decerto que o futuro está nessa nova (talvez, nem tão nova assim) tecnologia. Não porque assim o quer o mercado, mas por nosso desejo atávico de mimetizar o mundo através da arte.

Estamos engajados nesse projeto estético desde os tempos rupestres, estopim da arte figurativa. Sempre procuramos por técnicas que tornassem as imagens mais e mais reais. E o 3D seria apenas mais um passo (tão transitório quanto os anteriores) nessa escalada do signo que se quer objeto.

Mas, voltando a Godard, eis o ponto. A tridimensionalidade da imagem, tal qual se nos anuncia, vem a serviço do espetáculo, do entretenimento industrializado. Não representa, portanto, ruptura, mas continuidade. E, a despeito dos (nostálgicos, puritanos, conservadores?) que relutam à galopante chegada do 3D, ele há de se tornar fato consumado muito em breve. Provavelmente, ocorrerá o que houve quando da introdução do som na película – ou da guitarra elétrica na MPB. Muitos foram contra, insurgiram-se, reclamaram, mas acabaram silenciados.

O 3D, ao que parece, será cultura, regra. E não arte, exceção. Algo tão comum quanto ver imagens coloridas na televisão. E com a mesma potência adormecida que ali habita. 

MARCELO PEDROSO, jornalista e documentarista.

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