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Itamar Assumpção: A vingança do maldito em forma de box

Obra do músico da Vanguarda Paulista é compilada na 'Caixa preta', que reúne os 10 álbuns de sua carreira e dois inéditos

TEXTO Gianni Paula de Melo

01 de Dezembro de 2010

Itamar Assumpção

Itamar Assumpção

Imagem hallina beltrão sobre foto de divulgação

Se eu tivesse que ouvir conselhos, pediria ao Hermeto Pascoal.” Do comentário, podemos tirar duas constatações: 1) Itamar Assumpção não fazia concessões no processo criativo, nem às gravadoras e seus interesses, nem às críticas simplistas que taxavam sua obra de difícil. 2) Ao perceber em Hermeto Pascoal o seu possível conselheiro, o músico também sinaliza um referencial da arte em que acreditava.

Mesmo relutando contra o rótulo de “maldito”, a verdade é que Itamar, assim como os demais integrantes da Vanguarda Paulista (Arrigo Barnabé, Premê, Rumo), enfrentou o desafio de divulgar suas obras à revelia das grandes gravadoras, numa época sem a popularização da internet, web 2.0 ou MySpace. Este ano, toda sua produção foi reunida no box Caixa preta, com os 10 álbuns de sua carreira e dois inéditos, sob o selo Sesc–SP.

Parte desse projeto já havia sido idealizada pelo próprio músico. Itamar planejava lançar os novos discos Pretobrás II – Maldito Vírgula e Pretrobrás III – Devia ser proibido que, juntos aoPretrobrás – Por que que eu não pensei nisso antes, formam uma trilogia. No entanto, ao falecer em 2003, foram suas filhas, Anelis e Serena Assumpção, que assumiram essa responsabilidade. Foi necessário buscar os materiais inéditos distribuídos em vários estúdios e algumas faixas foram regravadas por outros intérpretes, como Elza Soares e Thalma de Freitas, já que a voz do cantor estava bastante debilitada em alguns registros.

Tal qual as caixas pretas dos aviões permitem investigar detalhes de um voo, neste box, encontramos as particularidades de uma trajetória. Confluindo em sua obra audições e influências que iam de Adoniran Barbosa a Jimi Hendrix, Itamar experimentava os sons a partir de um processo de criação libertário. Como indica Arnaldo Antunes no texto do encarte, estamos diante de um mix de “compassos irregulares, frases atonais, incorporação das inflexões da fala no canto, dissonâncias, mistura de gêneros, formações instrumentais inusitadas”. Ao mesmo tempo, o compositor não descuidava da inventividade no uso da palavra, o que se torna mais evidente se lembrarmos que seu elenco de parceiros incluía poetas como Paulo Leminski e Alice Ruiz.

Embora existisse a possibilidade de conseguir pela internet a discografia de Itamar Assumpção, o público que ainda credita os CDs como bens valiosos dificilmente os acharia à venda em lojas. Segundo Serena Assumpção, apenas o Petrobrás I e os três volumes do Bicho de sete cabeças podiam ser encontrados. Esse desdém das gravadoras se estende aos vários “malditos” da música popular brasileira.

Por isso, também neste ano, assistimos de longe ao lançamento de uma caixa com a obra de Tom Zé, pelo selo americano Luaka Bop, enquanto no Brasil não existe coletânea parecida. Observando, também, que o apático mercado fonográfico ignora a possibilidade de relançamento da obra de outros artistas de discografia peculiar, como Sérgio Sampaio, Jards Macalé e Walter Franco. 

GIANNI PAULA DE MELO, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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