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Em defesa do audiovisual da América Latina

TEXTO Orlando Senna

01 de Dezembro de 2010

Making of do documentário 'Os paraguaios', que integra a série 'Os latino-americanos' produzidos pela TAL

Making of do documentário 'Os paraguaios', que integra a série 'Os latino-americanos' produzidos pela TAL

Foto Divulgação

Sabemos todos que o xis do problema do audiovisual é a distribuição/exibição. Esse aspecto centraliza a atividade desde 1906, ano em que o governo dos Estados Unidos, por decreto, expulsou os filmes franceses do seu território. O motivo dessa medida pioneira e drástica foi o sucesso de bilheteria dos filmes da empresa francesa Pathé, que superava em muito os filmes da nascente Hollywood. Um século depois, essa disputa feroz por espaços de exibição (casas de cinema) também inclui tempo de exibição, já que a nave mãe Cinema se desdobrou em televisão, internet, DVD, recepção móvel e, daqui a pouco, em outras mídias que estão em gestação.

A Europa e os Estados Unidos disputaram durante décadas os mercados nacionais consumidores – atualmente, a predominância é dos EUA, ocupando 80% das telas (pequenas e grandes) do mundo. A América Latina enfrentou essa situação com inventividade e ousadia, inclusive disputando mercados com o cinema de Hollywood nos anos 1940 (os melodramas da Pelmex mexicana) e, na era da televisão, criando grandes empresas de comunicação como a Televisa do México e a Globo do Brasil. Na primeira década do século 21, a proliferação dos meios de produção (vídeo, edição eletrônica) e difusão (internet, webtv, canais locais), resultantes da digitalização dos suportes e das mídias, abriu a possibilidade de um mercado mais equilibrado.

É na perspectiva desse equilíbrio, de uma comunicação mais democrática nas escalas regional e mundial, que se insere a TAL–Televisão América Latina, um formato de empresa cooperativa, um modelo de negócio não comercial que vem demonstrando surpreendente capacidade de juntar energias no continente. O casal de empresários inovadores Roberto e Malu Viana são os responsáveis pela ideia e implantação dessa Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), com um desenho operacional avançado, adequado ao novo cenário audiovisual, ao século digital que estamos começando a viver. A plataforma é a internet, ancorada em www.tal.tv, que abriga os mecanismos da distribuição de conteúdos, uma webtv à disposição de todos, catálogos e conexões importantes. Trata-se de uma cooperativa de comunicação envolvendo mais de 200 associados na América Latina e na Península Ibérica. Esses associados são produtores independentes, instituições governamentais e culturais e canais públicos de televisão.

Dezenas de emissoras públicas de TV de 21 países conformam a Rede TAL, horizontalizada, democrática, sem “cabeça de rede”, com conselho consultivo e diretoria plurinacionais. Utilizando tecnologias avançadas de transmissão de dados (e também meios menos sofisticados, quando necessários, devido às assimetrias tecnológicas dos países ibero-americanos), a TAL é como um complexo de pontes e viadutos entre as emissoras, permitindo a circulação de conteúdos entre elas. Outra imagem é a de uma caixa cibernética, um storage coletivo – nele, quem põe conteúdo tem direito a todo o conteúdo da caixa. O acervo e a rede foram organizados de maneira contínua e crescente durante sete anos e, em 2010, alcançou um nível de maturidade (e também complexidade) que exigia a renovação de suas estratégias e a ampliação de suas operações.

O primeiro passo foi dado em julho, em uma reunião das emissoras associadas no Uruguai, realizada em cooperação com o Docmontevideo. O segundo passo foi dado agora, com a realização no Recife do Encontro de TVs Públicas e Culturais da América Latina, auspiciado pelo Ministério da Cultura e Governo de Pernambuco. Os recursos da TAL são oriundos de projetos compartilhados com governos ibero-americanos e dos serviços que oferecem como complementação da difusão de conteúdos, sua atividade central (produção de telesséries, concepção e empacotamento de programas, assessorias tecnológicas).

O encontro no Recife, envolvendo cerca de 50 emissoras públicas de TV do continente, 30 instituições culturais e uma centena de especialistas em comunicação de todas as partes do mundo, busca aperfeiçoar os procedimentos da rede e a qualidade da programação – e materializar novos modelos de negócio e cooperação, adiantando-se ao crescimento exponencial da produção e distribuição audiovisual previsto para os próximos anos, com a instalação plena da digitalização. Realizamos lançamento de novos conteúdos, reflexões e encaminhamentos, abordando mídias alternativas e estratégias de coprodução envolvendo muitos parceiros. Outra linha de reflexão importante é a economia da cultura, principalmente o conceito de Cidades Criativas (inclusive com a inauguração do esperado portal Observatório da Economia da Cultura, do MinC).

A filosofia e a ação da TAL estão focadas na aproximação cultural entre os povos latino-americanos. O princípio que possibilita o cumprimento dessa missão é a unidade política, histórica e orgânica que está no olho do furacão da nossa diversidade cultural, da nossa efervescente multiculturalidade. É o princípio da comunidade, de um grupo de individualidades diferentes que se sentem ligadas umas às outras por laços indissolúveis. A outra palavra para tudo isso é integração, com o entendimento de que o melhor caminho para alcançar essa meta é interagir, é o binômio interação/integração, é a proliferação de parcerias, é cooperar.

O êxito da TAL, traduzido na ampliação de seu quadro de associados e em um aumento notável de acessos à webtv, está diretamente relacionado ao desenho contemporâneo de seu modelo negocial e a outro aspecto de igual peso: o ícone, o mito, a utopia, ou qualquer outro nome que queiramos dar ao desejo latino-americano de sermos um povo, uma nação com muitos países. Uma nação que possa se ver com seus próprios olhos, para que nos vejamos, realmente, tal como somos. 

ORLANDO SENNA, diretor, roteirista e produtor de cinema. Atualmente, é presidente da TAL-Televisión América Latina.

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