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Massangana: A casa do menino de engenho restaurada

Propriedade em que viveu na infância Joaquim Nabuco, no Cabo de Santo Agostinho, recebe incrementos para funcionar como centro cultural de valor histórico, educativo e patrimonial

TEXTO GIANNI PAULA DE MELO
FOTOS LÉO CALDAS

01 de Novembro de 2010

Casa-grande e capela são as edificações principais do engenho

Casa-grande e capela são as edificações principais do engenho

Foto Léo Caldas

Próximo à PE-60, estrada que leva ao litoral sul de Pernambuco, situado no município do Cabo de Santo Agostinho, localiza-se o Engenho Massangana, lugar onde viveu até seus oito anos o abolicionista Joaquim Nabuco. O diálogo construtivo estabelecido entre a propriedade colonial e seus arredores incita imediatas reflexões sobre a economia de ontem e hoje. O panorama outrora agrícola, impulsionado pela produção de açúcar, deu lugar às indústrias, ali estabelecidas sob estímulos que vieram do processo desenvolvimentista dos anos 1970 aos atuais investimentos no Porto de Suape.

O engenho, um complexo arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1984, com o nome de Parque Nacional da Abolição, tem seu registro mais antigo datado de 1774, quando de posse do padre Manuel de Mesquita e Silva. Agora pertencente à Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), ele está sendo reestruturado para funcionar como centro cultural de valor histórico, educativo e patrimonial.


O extenso conjunto de casinhas foi utilizado para abrigar pesquisadores na década de 1980

No decorrer dos anos, o engenho teve sua estrutura física alterada, seja por reformas dos sucessivos proprietários, seja pelo desgaste natural do tempo. Hoje, ele agrega a casa-grande, a capela e o arruado – conjunto de casas de porta e janela cuja data de construção não é consenso entre pesquisadores. É provável também que houvesse no local uma senzala, mas que, devido à sua estrutura rudimentar, tenha se deteriorado até o desabamento. O mesmo se aplicaria à moita, que entrou em desuso no início do século 20, quando o engenho foi vendido à Usina Santo Inácio e tornou-se apenas fornecedor de cana-de-açúcar. Prospecções arqueológicas no terreno serão feitas para identificar vestígios e confirmar essas suposições.

TEMPOS SOBREPOSTOS
Do ponto de vista arquitetônico, as edificações do Engenho Massangana apresentam peculiaridades, nas quais é perceptível a citada sobreposição de épocas. A casa-grande representa um modelo atípico da sua categoria. Suas dimensões reduzidas e seu baixo número de cômodos, se comparados às construções tradicionais, atribuem-lhe uma conformação urbana. Vinculado a ela, projeta-se o alpendre frontal, erguido em alvenaria e coberto por telha cerâmica. Embora não seja original, esse elemento aparece em registros antigos do casarão; e foi por conta disso e por ocasionar uma melhoria do ponto de vista museológico que o arquiteto responsável pela recuperação do conjunto, Antônio Montenegro, junto a pesquisadores da Fundaj, decidiu recuperá-lo. “Com a colocação da coberta ocorre um acréscimo de conforto ambiental, além da ampliação de área útil do futuro museu”, explica o arquiteto.


Embora não seja original, o alpendre foi criado para otimizar
a ventilação

Assim como a casa-grande, a capela de São Mateus também foi modificada com o passar dos séculos, e cresceu. O espaço dedicado à devoção era, inicialmente, formado pelo altar e a pequena nave, aos quais foram somadas uma ala lateral e a sacristia. O elemento mais fidedigno aos antigos registros fotográficos da capela é a sua fachada. A imagem do padroeiro da igrejinha, São Mateus, outro item original conservado, permanecerá, por questão de segurança, no Museu do Homem do Nordeste.

Situado em frente à casa-grande, o arruado é controverso quanto à sua época e ao seu uso. Embora houvesse casinhas no terreno do engenho após a abolição da escravatura, elas existiram em quantidade inferior, sendo a estrutura na extensão atual uma intervenção do século 20. Quando o engenho tornou-se responsabilidade da Fundaj, o espaço foi utilizado para hospedar pesquisadores.


Construído na reforma de 1870, é composto por jardim e cômodos que se tornarão salas de exposições

O conjunto de edificações não confere ao Engenho Massangana uma qualidade arquitetônica de destaque. Sua relevância está relacionada ao morador célebre, Joaquim Nabuco, que lá viveu entre os anos de 1849 e 1857. O arquiteto Antônio Montenegro reconhece o valor simbólico em detrimento de todo o resto: “Alguns engenhos pernambucanos são maravilhosos do ponto de vista arquitetônico, muito mais singulares e significativos. No entanto, foi em Massangana que viveu Joaquim Nabuco e isto cria uma camada histórica diferente”, ratifica.

MORADOR ILUSTRE
“Os primeiros oito anos da vida foram assim, em certo sentido, os de minha formação, instintiva e moral, definitiva... Passei esse período inicial, tão remoto, porém, mais presente do que qualquer outro, em um engenho de Pernambuco, minha província natal. A terra era uma das mais vastas e pitorescas da zona do Cabo...”. Nenhuma apreciação da importância do Massangana para Joaquim Nabuco poderia ser mais precisa. O trecho, retirado do livro Minha formação, introduz lembranças associadas à morada nos seus tempos de menino. Hoje, porém, é Nabuco quem se torna importante para o engenho, agregando-lhe valor histórico.


A capela foi modificada com o passar dos séculos

Durante o período da sua infância, Massangana era propriedade de sua madrinha, Ana Rosa Falcão, cuja lápide está fixada na parede do altar da capela de São Mateus. A localização do corpo está indicada nas memórias de Nabuco. As mudanças averiguadas nas construções através dos estudos também são mencionadas em Minha formação, quando Nabuco registra suas impressões ao visitar, anos mais tarde, o lar da infância. Após comentar modificações na disposição arquitetônica dos edifícios, ele conclui: “da casa velha não ficara vestígio”.

As intervenções mais significativas desta época foram realizadas por Paulino Pires Falcão, sobrinho e herdeiro de Ana Rosa. Concluída em 1870, essa reforma incluiu a ampliação da casa-grande com a construção de um pátio interno – algo raro nos engenhos do estado – ainda hoje existente. Também foi aplicada uma ornamentação neoclássica ao imóvel, perceptível na simetria da fachada e nas estruturas em arcos.


A casa-grande será ambientada ao estilo do século 19

Embora auxilie nas pesquisas, o valor do registro memorialístico de Nabuco sobre Massangana é, sobretudo, sensorial. Ele convida o leitor a experimentar a atmosfera do seu tempo de criança e a realidade rural do século 19. Até mesmo o escritor Machado de Assis foi tocado pelo relato emocionado de Nabuco, como se pode ler em carta remetida ao abolicionista: “Reli Massangana. Essa página da infância, já narrada em nossa língua, e agora transposta à francesa, que você cultivou também com amor, dá imagem da vida e do engenho do Norte, ainda para quem os conheça de outiva ou de leitura; deve ser verdadeira”.

NOVOS USOS
Quando o engenho foi cedido em regime de comodato à Fundação Joaquim Nabuco, na década de 1980, vários projetos foram desenvolvidos para estimular o acesso da sociedade e dos pesquisadores ao patrimônio. A proposta de utilização mais recente, em vias de conclusão de sua primeira etapa, foi implantada em 2008, em parceria com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), entre outras instituições. A partir da reunião de vários projetos envolvendo o engenho, articularam-se cinco grupos de pesquisa sob orientação do consultor americano Bryan Bath: conservação e arquitetura; paisagem e infraestrutura; história e arqueologia; educação; e turismo e marketing.


Os sinos se destacam na fachada da capela de São Mateus

O resultado dos estudos culminou na exposição ao ar livre Nabuco e Massagana: Memória & Futuro, inaugurada em abril deste ano no local, constituída por um conjunto de painéis dispostos ao ar livre. Este mês, essa mostra temporária sai de cena para dar lugar a outra, permanente, concebida a partir de excertos de Minha formação. “Decidimos que a linha central seria Joaquim Nabuco, que é o diferencial deste engenho, a questão da abolição da escravatura e a economia da cana-de-açúcar”, comenta Rúbia Campelo, coordenadora do projeto, também envolvida na elaboração do calendário de eventos para a instituição e das oficinas de educação patrimonial.

A casa-grande será ambientada ao estilo do século 19, com mobiliário existente no Museu do Homem do Nordeste e no Museu do Estado, junto com itens recém-adquiridos de antiquário. No entanto, os organizadores ressaltam a impossibilidade de reproduzir a residência tal qual a da infância do personagem histórico. “A casa atual do Engenho Massangana não é a casa do tempo de Joaquim Nabuco. Queremos mostrar isso ao visitante: que aquela casa passou por uma série de transformações”, aponta a historiadora da Fundaj, Sylvia Couceiro.

Em longo prazo, o projeto inclui ainda a reestruturação paisagística, que pretende recuperar o rio Massangana – que atravessa a propriedade – e possibilitar atividades de trilha ecológica e educação ambiental na área de 10 hectares da propriedade, extrapolando, assim, os limites históricos, oferecendo uma perspectiva multidisciplinar às futuras visitações. 

GIANNI PAULA DE MELO, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.
LÉO CALDAS, fotógrafo.

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