Trotski, cujo nome verdadeiro era Lev Davidovich Bronstein, nasceu em 1879, numa fazenda na província de Kerson, no sul do Império Russo, hoje território da Ucrânia. Era proveniente de uma família judia de fazendeiros de classe média alta. Aos 18 anos, conheceu as ideias marxistas e rapidamente se tornou um revolucionário em tempo integral. Aos 20 anos, já estava preso por agitação. Na prisão, lia vorazmente e escrevia sobretudo a respeito das obras de autores como Nietzsche, Zola e Ibsen.
Foi banido para a Sibéria, mas conseguiu fugir de forma espetacular, guiando um trenó puxado por cachorros sobre a neve, através da tundra. Em Londres, em 1902, conheceu Vladimir Lênin, com quem teria, nos 20 anos seguintes, uma série de concordâncias e divergências. Participou da revolução frustrada de 1905. Viveu 12 anos exilado em várias capitais europeias e até em Nova York.
No primeiro volume da biografia, Deutscher conta como o jovem Lev Bronstein, ao fugir da Sibéria, escolheu um novo nome: “Seus camaradas de Irkutsk deram-lhe um passaporte falso. Teve de colocar nele o nome que iria adotar e escolheu o de um de seus ex-carcereiros de Odessa. Nessa viagem perigosa, essa identificação com o carcereiro talvez satisfizesse no fugitivo um desejo inconsciente de segurança? Talvez. Sem dúvida, o nome do obscuro guarda viria a destacar-se, e muito, nos anais da revolução. Era Trotski”.
Fiel ao seu espírito internacionalista, (e ao antigo hábito de traduzir nomes próprios), o russo Lev Bronstein acabou virando Léon, em francês, Leo ou Lew em alemão, Leão em algumas traduções portuguesas e León em espanhol. Em todas as línguas, mais conhecido como Trotski.
Tinha uma capacidade descomunal para o estudo e para o trabalho. Além do russo, sua língua natal, e do alemão, que aprendera quando criança, falava e escrevia em francês e inglês. Trabalhou como jornalista e cobriu para a imprensa alemã a Primeira Guerra Mundial, percorrendo as frentes de batalha nos Bálcãs. Voltou à Rússia em 1917, reconciliou-se com Lênin e liderou a Revolução de Outubro que estabeleceu o poder dos sovietes.
Em 1917, Lênin reconcilia-se com Trotski e, juntos, lideram a segunda fase da Revolução Russa. Foto: Reprodução
Como pensador marxista, Trotski formulou a teoria da revolução permanente na qual preconizava que o socialismo soviético só poderia sobreviver e florescer se houvesse revoluções semelhantes em outros países. A teoria, discutida desde os primeiros anos do século 20, foi sistematizada em livro em 1930. Sua briga com Stalin, que defendia a posição do socialismo num só país, ainda hoje divide os marxistas e serve de guia para as antipatias que existem na esquerda em relação aos dois lados: “trotskista” e “stalinista” são adjetivos às vezes usados como insultos, dependendo de quem fala e de quem escuta.
NO BRASIL
O trotskismo chegou ao Brasil ainda no final dos anos 1920, com Mário Pedrosa e Lívio Xavier, militantes comunistas que, após tomarem conhecimento dos confrontos de Trotski com o regime soviético, ficaram do lado dele e iniciaram os primeiros rachas no recém-fundado Partido Comunista do Brasil. Nos anos 1960, entre os grupos que enfrentaram a Ditadura Militar, estava o Partido Operário Revolucionário (trotskista), conhecido como POR, e a Fração Bolchevique Trotskista (FBT).
Atualmente, o trotskismo está presente no Partido da Causa Operária (PCO), e de forma intensa no PSTU, que é filiado à Liga Internacional dos Trabalhadores da Quarta Internacional (LIT–QI). Está também em setores do PSOL, dentro do PT, na tendência conhecida como Democracia Socialista, e na corrente O Trabalho, que se denomina Seção Brasileira da Quarta Internacional.
Na Europa, a França tem uma longa tradição de apoio às ideias de Trotski. No primeiro turno das eleições presidenciais de 2002, por exemplo, três partidos trotskistas tiveram, somados, mais de 10% dos votos, dividindo o eleitorado de esquerda e impedindo que Lionel Jospin, do Partido Socialista, disputasse o segundo turno. Arlette Laguiller, da Luta Operária, obteve 5,72% dos votos no primeiro turno e Olivier Besancenot, da Liga Comunista Revolucionária, teve 4,25%. A liga, que desde 2009 se chama Novo Partido Anticapitalista, foi fundada e comandada durante muitos anos por Alain Krivine, um dos líderes do Maio de 68, que rompeu com o PC francês nos anos 1960. Em Portugal, o partido Bloco de Esquerda, união de três antigos pequenos partidos, é majoritariamente dominado pelos trotskistas.
DEUTSCHER, O BIÓGRAFO
A trajetória do biógrafo de Trotski, Isaac Deutscher, guardadas as devidas proporções, tem semelhanças com a de seu biografado. Nasceu em 1907, na Polônia, em uma família judia, foi militante comunista e expulso do partido, justamente por apoiar as ideias de Trotski; imigrou para a Inglaterra, onde se tornou um jornalista de destaque e atuou muitos anos na revista The Economist.
Pensando em realizar uma trilogia sobre os principais líderes da revolução bolchevique, lançou, em 1949, Stalin, uma biografia política. Em 1952, terminou o primeiro volume da biografia de Trotski, O profeta armado 1879-1921. Mas, ao morrer, em 1967, deixou inconcluso o trabalho sobre Lênin. Nesse ínterim, Trotski ganhou mais dois volumes biográficos: O profeta desarmado 1921-1929 (publicado em 1959) e O profeta banido 1929-1940 (publicado em 1963).
Nos três volumes, Deutscher evita os clichês da literatura marxista, não usa um tom laudatório e é crítico em vários momentos. Ao todo, porém, esboça um panorama épico da vida de Trotski. Está atento à produção intelectual que dominou a vida do revolucionário e aos registros históricos, sobretudo os Arquivos de Trotski, coleção de documentos reunidos na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, consultados pela primeira vez justamente na preparação da biografia. Nos engajados anos 1960, Isaac Deutscher fez sucesso no circuito de palestras nas universidades norte-americanas e europeias.
LIBERDADE INTELECTUAL
Um dos textos mais interessantes, entre os deixados por Trotski, é o livro Literatura e revolução, escrito em 1923, no qual faz críticas ao realismo socialista. Defende de forma enfática a herança cultural da Rússia pré-revolucionária, argumentando que, apesar de oriunda de uma sociedade feudal e injusta, a tradição cultural deveria, ao invés de ser eliminada, como defendiam alguns, ser usada como alicerce para a nova cultura proletária que surgiria a partir de então. Foram argumentos que ajudaram o regime comunista, ao longo dos seus 74 anos de existência, a dar importância e preservar e divulgar obras de arte, como as sinfonias e balés de Piotr Tchaikovski e Rimsky-Korsakov, a obra literária de nomes como Alexander Pushkin, Ivan Turgenev e Lev Tolstói e as pinturas de Ilya Repin.
MARCELO ABREU, jornalista e professor universitário.