A partir da alegoria da estação de outono – que nos é apresentada como emblema de uma sociedade cuja única saída parece ser a derrisão diante da necessidade de continuar existindo –, ele opta por uma cena que converge para a multiplicidade de sentidos, de modo que o espectador experimente, no espaço de tempo da duração do espetáculo, as sucessivas variações de estados da alma dos personagens propostas pelo autor. Isso nos é oferecido a partir de uma teatralidade concisa, palpável, em que os elementos cênicos – em sua simplicidade e significação – permitem conduzir nossa visão ao mistério mais fascinante do teatro: a possibilidade do jogo, espaço onde o real e o sonho se mesclam para nos falar de dentro de nosso próprio coração.
Para atingir tais objetivos e aprofundar as implicações das referências intertextuais pedidas pela montagem, Cadengue contou com a precisa concepção de cenário e figurino elaborada por Marcondes Lima. Ambos, cenário e figurino, funcionam como personagens, traduzindo, a cada movimento dos atores em cena, funcionalidade e beleza. Há tanta força de poesia na cenografia quanto nas palavras.
Desde a primeira cena, quando apenas o vento sopra sob a luz amarela, há uma antecipação do enredo e do sentimento que transpassarão a construção dos personagens. A música é também outro elemento de vital importância na fruição do espetáculo, pois alinhava o lirismo da encenação em seus instantes suaves e pontua com precisão os momentos sombrios.
É preciso, ainda, apontar o desempenho do elenco. Silvio Pinto compõe um Mestre Sansão – o mágico – com a intensidade dramática exigida pelo personagem, graças à segurança e maturidade de sua interpretação. Ele empreende uma caracterização que revela o conflito interno em que o mágico faminto e desesperançado está mergulhado e dá força ao tom fáustico de sua figura. Cira Ramos, como Angelina, a mulher-macaco, obrigada a entregar seu corpo aos homens, quando a farsa de sua encenação fatalmente é sempre revelada, está correta, embora a representatividade do elemento feminino, no contexto da peça, talvez exigisse dela um maior empenho no sentido de explorar com mais vigor e mais precisão os diferentes estados de espírito de Angelina. O mesmo é válido para Arilson Lopes, muito bem ao lado de Bobby Mergulhão e Marcelino Dias, no trio de cegos, porém, aparentemente, ainda um pouco tímido na sua performance como Carmelo, o rapaz que roubará o coração da personagem.
Lágrimas de um guarda-chuva, portanto, no atual cenário teatral pernambucano é um desses espetáculos que nos levam a acreditar novamente na capacidade dos artistas locais de empreenderem uma renovação saudável de nossa tradição nas artes cênicas. A dedicação e o esforço na sua construção são recompensados por um trabalho de beleza inquestionável, capaz de expressar a vitalidade de quem continua apostando na poesia.
ALEXANDRE FIGUEIRÔA, jornalista, professor e doutor em Cinema pela Universidade Paris III.