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João Pereira Coutinho: Chega de José Saramago!

Colunista português, que escreve quinzenalmente na Folha de S.Paulo e se diz ao mesmo tempo conservador e libertário, afirma que os brasileiros precisam conhecer outros nomes da literatura lusitana

TEXTO Arthur Aguiar

01 de Junho de 2009

João Pereira Coutinho

João Pereira Coutinho

Foto Divulgação

Ele fala de política e arte, de literatura e cultura, de sociologia, porte de armas, da comunicação em tempos modernos, de economia, da saudade das cartas. Tudo pode ser encontrado nas colunas e artigos escritos pelo português João Pereira Coutinho, a quem a Folha de S.Paulo, que publica quinzenalmente, às segundas, seus textos no Brasil, chama de “o mais bem-humorado integrante da vaga recente de colunistas da ‘nova direita’”.

“O objetivo é o mesmo: divertir, informar, enfurecer e conquistar o leitor. No fundo, eu só quero ser amado”, dizia ele, em 2007, quando editou pela primeira vez, em Portugal, o livro Avenida Paulista, que acaba de ser lançado em edição brasileira, pela editora Record. Ele é autor também da novela Jaime e outros bichos (1997) e da compilação de crônicas Vida independente (2004). Avenida Paulista reúne parte do seu trabalho publicado na imprensa, mas sobre ela o colunista diz apenas se tratar de “um aperitivo”. O livro é dividido em dois grandes blocos: Sambas e Chorinhos. Na primeira, estão os textos mais leves, na segunda o autor apresenta seu lado pessimista. “Arrumei tudo em duas metades, que facilmente se resumem a entusiasmos e depressões”, revela na apresentação. Nas páginas finais do livro, numa terceira parte intitulada Encore, o colunista relata algumas de suas experiências na capital paulista.

Enquanto se diz conservador quando fala de política, Coutinho alega ser libertário em todos os outros sentidos, e propõe que, num mergulho na literatura lusitana, os brasileiros deixem de lado o nome mais representativo entre os recentes do país e busquem outros autores. “Chega de Saramago!”, decretou, sugerindo que o célebre ganhador do Prêmio Nobel de 1998 seja deixado de lado em favor da descoberta de outros escritores contemporâneos, como Agustina Bessa-Luís (Contemplação carinhosa da angústia) e José Cardoso Pires (O delfim).

Nascido em 1976, na cidade do Porto, Coutinho passou a escrever a coluna no jornal paulista antes mesmo de completar 30 anos de idade, em 2005. Anteriormente, já havia sido colunista dos semanários portugueses O independente (1998-2003) e Expresso (2004-2009). Formado em história da arte e em ciência política, mistura e alterna os dois assuntos com erudição e bom humor, em um texto interessante, cujo estilo já alegou ter “roubado” de escritores brasileiros (Paulo Francis, Nelson Rodrigues, Ivan Lessa e Diogo Mainardi) e anglo-saxões (H.L Mencken e Jeff Bernard). Os escritores brasileiros mais recentes, entretanto, não o empolgam mais, como afirmou na entrevista que se segue.

A pedido do próprio Coutinho, em Lisboa, a entrevista abaixo foi concedida por e-mail. Sucinto, ele evitou se prolongar muito em explanações sobre suas respostas, mas deixa claro o que pensa ao ir direto ao ponto. Questionado sobre o porquê de preferir responder à imprensa por escrito, surpreendeu ao afirmar não ser uma preocupação com a possibilidade de ser mal-interpretado, mas simplesmente um comportamento econômico.

Em seus textos publicados no Brasil e em Portugal, o articulista prefere evitar analisar as notícias sobre o Brasil. Diz ser proposital, por ignorância do país como um todo, pois conhece apenas “o Rio de Janeiro e São Paulo”. Ele prefere usar o espaço das suas crônicas justamente para “trazer a Europa aos brasileiros”. E faz uma ponte em que trata, sob uma ótica um tanto fora dos padrões politicamente corretos adotados na maior parte da imprensa do país, de temas que vão da reforma ortográfica ao fenômeno do YouTube, Susan Boyle. Essa fuga dos padrões ideológicos, diga-se, acaba gerando fortes reações contra e a favor do que escreve. Chamado de polêmico e provocador, ele nega este perfil, mas com certeza se diverte com a notoriedade.

CONTINENTE Folha de S.Paulo, jornal que publica seus textos no Brasil, o descreve como “o mais bem-humorado integrante da vaga recente de colunistas da ‘nova direita’”. O que acha disso? Considera-se de fato bem-humorado? E de direita?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Não sei exatamente o que significa ser de “direita”. A distinção surge historicamente localizada na Revolução Francesa, quando as classes aristocráticas e clericais se sentavam à direita do rei nos Estados Gerais. Ora, recuando até 1789, eu não posso dizer que, em princípio, estaria à direita do rei. Mas há uma coisa que eu posso dizer: sou essencialmente um conservador em política e um libertário em todo o resto. Se essa combinação gera bom humor, melhor ainda.

CONTINENTE A que outros nomes desta “nova direita” considera-se ligado ideologicamente?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Não me considero ligado a nenhum nome em especial, muito menos da “nova direita”.

CONTINENTE Acha que esta personalidade está exposta nos textos publicados na coluna e no livro? É possível conhecer o que pensa João Pereira Coutinho a partir dos textos reunidos em Avenida Paulista, ou fica faltando algo?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Fica faltando tudo. No livro Avenida Paulista está apenas um aperitivo. Espero que os pratos principais venham nos próximos anos.

CONTINENTE Que tipo de reação recebe do público brasileiro – que associa o termo “direita” ao “mal” e quase todos os políticos se dizem de “esquerda”? Como isto se reflete em sua relação com o Brasil? É daí que vem o termo “polêmico”, muitas vezes usado para descrevê-lo?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Não faço ideia. Até porque não me considero particularmente polêmico, muito menos provocador. Pelo contrário: eu sou simplesmente uma pessoa que reage quando o mundo me provoca. E o mundo provoca-me todos os dias, várias vezes por dia.


“A literatura contemporânea brasileira é muito, muito pobre. Da nova geração prefiro nem falar. Dos veteranos, leio com regularidade Milton Hatoum (foto), Scliar, Rubem Fonseca. E tenho pena de que o Mainardi não escreva mais ficção”. Foto: Divulgação

CONTINENTE Acredita que há espaço para esta dicotomia “direita-esquerda” no mundo contemporâneo?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Acredito, mas a dicotomia, como todas as dicotomias ideológicas, sofreu uma evolução histórica. Penso que a grande distinção, hoje, está entre “monistas” e “pluralistas”, na boa tradição de Isaiah Berlin. Ou seja, entre pessoas que acreditam num único ideal redentor e os outros que preferem uma multiplicidade de fins últimos de vida. É possível encontrar pessoas de esquerda ou de direita em ambas as categorias.

CONTINENTE Antes de completar 30 anos você já tinha uma coluna no principal jornal do Brasil. Como surgiu esta “parceria”, e como você mudou e mudou sua relação com o Brasil desde então? Acha que a visão externa o ajuda na interpretação dos fatos ligados ao país?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Raramente escrevo sobre o Brasil. Por respeito e alguma ignorância sobre o Brasil “real”. Conheço apenas uma parte do Brasil, essencialmente reduzida ao Rio de Janeiro e a São Paulo. A minha intenção é trazer o mundo para o Brasil, sobretudo a Europa, e não servir o Brasil aos brasileiros. Existem outras pessoas mais competentes do que eu para isso.

CONTINENTE A entrevista foi aberta com perguntas sobre política, mas sua formação é, antes, em história e história da arte. A política parece se sobrepor à arte com frequência em seu trabalho de colunista. O que pensa disso? Que relação tem com a arte hoje?
JOÃO PEREIRA COUTINHO A arte é o meu interesse principal: a pintura, o cinema, a literatura, o teatro. Mas tenho escrito sobre política porque, infelizmente, só existem os prazeres estéticos quando estão resolvidos os prazeres éticos. E estamos longe de viver num mundo onde isso seja uma realidade.


“Os brasileiros deveriam conhecer mais escritores contemporâneos portugueses, como Agustina Bessa-Luís (foto) ou José Cardoso Pires, por exemplo. Poetas como Mário Cesariny”. Foto: Divulgação

CONTINENTE O que pensa da produção artística e cultural do Brasil, atualmente, seja música, literatura ou mesmo artes plásticas?
JOÃO PEREIRA COUTINHO A literatura contemporânea brasileira é muito, muito pobre. Da nova geração prefiro nem falar. Dos veteranos, leio com regularidade Milton Hatoum, Scliar, Rubem Fonseca. E tenho pena de que o Mainardi não escreva mais ficção.

CONTINENTE E de Portugal? Muitas vezes, mesmo tendo tanta ligação histórica, o Brasil acaba ficando longe de Portugal. Da produção artística portuguesa, o que acha que deveríamos conhecer melhor?

JOÃO PEREIRA COUTINHO Alguns escritores contemporâneos, como Agustina Bessa-Luís ou José Cardoso Pires, por exemplo. Poetas como Mário Cesariny. Chega de Saramago!

CONTINENTE O que alguém que escreve e, acima de tudo, admira a literatura, pensa sobre a reforma ortográfica da língua portuguesa?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Sou contra a Reforma Ortográfica por motivos que já escrevi. A língua pertence aos seus falantes, não a um conselho de sábios que se considera “dono” da língua. (Em artigo publicado na Folha, em 28 de setembro de 2008, Coutinho dizia ser “visceralmente contra. Filosoficamente contra. Linguisticamente contra.” Ele alegava ser incapaz de aceitar que uma “dúzia de sábios se considere dono de uma língua falada por milhões”. Os motivos da oposição eram acreditar que a língua é produto de uma história que está sendo ignorada pelo Acordo. “A pluralidade é um valor que deve ser estudado e respeitado.”)

CONTINENTE Você disse preferir responder a esta entrevista por e-mail. Por quê?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Porque as chamadas telefônicas são mais caras. 

ARTHUR AGUIAR.

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