Segundo o artista, a metáfora da serpente (Dan) é parte das religiões de matriz africana, correspondendo também ao Orixá Oxumaré, e o nosso DNA, que também é formado por duas “serpentes” entrelaçadas. Nesse estado animalesco, no qual ele come a própria pele, o corpo nos provoca a interagir na mesma irracionalidade, e o público responde: em um momento da apresentação, um participante pega com os dentes o pedaço de pele na boca do animal, os dois se beijam e comem a carne.
Esse não é um corpo bonito, pelo menos não dentro dos padrões que esperamos, apesar de, já mais no final da apresentação, trazer movimentos graciosos. É um corpo que nos traz dupla pulsão, dois opostos: um incômodo que pode se manifestar fisicamente, mas também, um certo magnetismo, uma vontade de olhar. Se há quem partilhe da carne, existe quem sinta a ativação da performance de forma menos explícita. Por vezes, parecemos nos transpor para o corpo que observamos, sentindo enjoo, ânsia de vômito. E, dessa própria impossibilidade de passar incólume que é a arte, renascemos.
Outros corpos incômodos também integram a programação do festival, a exemplo da atriz trans Renata Carvalho, em sua peça O Evangelho segundo Jesus, rainha do céu. Ela e Maikon K. estão entre @s artistas censurad@s durante a onda repressora que parece ter se intensificado no segundo semestre do ano passado. A curadoria, para além de trazer artistas censurados, escolheu peças que criticam facetas diferentes do status quo dominante (como Luzir é Negro!, A invenção do Nordeste, Altíssimo e o próprio Evangelho). Com o tema “narrativas para uma humanidade em extinção”, o Trema! ratifica seu lugar enquanto resistência simbólica, posicionando-se de forma muito clara nesse front. Ademais, também afirma a arte contemporânea como território de possibilidades híbridas ou múltiplas, de difícil enquadramento a categorizações determinantes.
SOFIA LUCCHESI é graduanda em Jornalismo pela Unicap, estagiária de reportagem da Continente e fotógrafa.