Apresentado no dia seguinte a Tijuana, sábado (23), Veracruz – Nos estamos deforestando o como extrañar Xalapa também se utiliza de elementos que dialogam com o real, mas partindo do formato peça-palestra, um fenômeno no teatro contemporâneo. Criada em 2015, a obra é encenada e desenvolvida por Luisa Pardo, fundadora da Lagartijas Tiradas ao Sol junto a Gabino. Na conferência, ela parte do assassinato da ativista e defensora dos direitos humanos Nadia Vera e de seu companheiro, o fotojornalista Rubén Espinosa, em 2015, para discutir a formação do estado mexicano e a forma como as relações de poder se estabeleceram, do massacre dos povos indígenas à violência contemporânea ligada ao narcotráfico.
O formato de peça-palestra, muito em voga há alguns anos, coloca em destaque questões sobre a representação teatral. Em vez de um espetáculo, o público se depara com uma espécie de aula, um relato com toques acadêmicos que parece estabelecer outra relação entre quem está no palco e quem assiste. Ainda que de maneira distinta, propõe, assim como Tijuana, borrar os limites entre realidade e ficção. Luisa Pardo se coloca não só como narradora dos eventos, mas como participante deles. Relata sua relação com a região de Veracruz, paraíso natural onde nasceu e de onde vêm seus antepassados.
Luisa Pardo é a "conferencista" da peça-palestra. Foto: Danilo Galvão/Divulgação
Com as folhas de papel em mãos, ela lê aquele relato sobre uma região, mas também sobre sua história. Imagens de arquivo e áudios entrecruzam a narração da atriz, reforçando os dados que ela apresenta à plateia. A complexidade da história mexicana, tão parecida com a brasileira, mas ao mesmo tempo desconhecida pela maior parte de nós, também mostra o quão apartado o Brasil está do resto da América Latina. Veracruz lembra muito o Rio de Janeiro, com sua beleza exuberante, disparidades sociais, violência e laços simbióticos entre Estado e narcotráfico. A peça coloca em evidência ainda a vulnerabilidade dos jornalistas em meio a essa estrutura corrompida, com mais de 16 assassinatos desses profissionais desde os anos 2000.
Veracruz, assim como Tijuana, tensiona as crises da representação (e da representatividade) no contemporâneo. Um corpo pode falar pelo todo? Com quantos corpos se faz a história? E que história é essa? Quem pode narrá-la? São questões que o grupo não se propõe a responder, mas, antes de tudo, quer lançar para que o espectador construa junto, a partir de suas próprias percepções. E, com estratégias simples, mas eficazes, dramaturgias bem-construídas e profundas, Gabino e Luisa não só provocam um efeito imediato, como também reverberações profundas em quem assiste aos seus trabalhos. Veracruz e Tijuana, afinal, não são aqui. Não são?
MÁRCIO BASTOS, jornalista cultural e mestrando em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.