Sob os holofotes, vimos os cantores Romero Ferro, Felipe Catto, Johnny Hooker, Gaby Amarantos e até o coco de umbigada de Mãe Beth de Oxum gritarem a favor da atriz trans censurada, fazendo ecoar um verdadeiro grito de liberdade entre os presentes – parte ou não da comunidade LGBTQI+, mas no geral apoiadores da ideia de que arte é, por definição, um território de crítica, reflexão e libertação – palavra cada vez mais cara ao contexto atual brasileiro.
Mãe Beth de Oxum fez discurso em defesa das causas LGBTs. Foto: Felipe Souto Maior/Secult-Fundarpe
Felipe Catto apresentou o show O nascimento de Vênus. Foto: Felipe Souto Maior/Secult-Fundarpe
Não faltaram homenagens a Renata Carvalho e aos povos historicamente oprimidos, como são as mulheres e as travestis: Beth de Oxum levantou a bandeira do arco-íris; Felipe Catto vestiu a camisa e a tiara para ela; Gaby Amarantos exaltou o direito da mulher com uma banda formada só por artistas negras; e Johnny Hooker, bem, saiu rasgando, já no final da apresentação, em sua crítica aos conservadores e ao FIG, que disse ser sua casa desde a adolescência: “Estamos aqui num festival de falso ‘Viva à Liberdade’. Liberdade para quem? Para quais corpos? Eu estou aqui hoje para dizer a vocês que Jesus é travesti, sim! Jesus é transexual, sim! Jesus é bicha, sim, porra! E como já disse brilhantemente Daniela Mercury aqui nesse palco, a arte é para livrar a cabeça da gente de merda. Viva a Renata Carvalho, Jesus Cristo, Rainha do Céu. Esses fundamentalistas não vão passar!”. A maior parte do público ovacionou, mas outra não gostou nada: dos camarotes, que quase se esvaziaram completamente depois do depoimento, ouviam-se vaias e viam-se até gestos obscenos, de gente estirando o dedo para ele.
Neste sábado (28/7), último dia do festival, Garanhuns acordou com uma nota de repúdio do prefeito da cidade, um dos responsáveis pela censura a Renata Carvalho. Leia trecho do texto publicado no perfil oficial no Instagram de Izaías Régis:
Vimos a público manifestar nosso repúdio às apresentações ofensivas e desrespeitosas que aconteceram nesta cidade durante a realização do 28º Festival de Inverno de Garanhuns. Aceitar esse tipo de apresentação é compactuar com o desrespeito. (...) Artistas sem postura, desrespeitando seus próprios fãs e os cidadãos de Garanhuns, proferindo todo tipo de palavrões e hostilidade. (...) Ontem, testemunhamos, perplexos, manifestações nocivas do cantor Johnny Hooker que proferiu palavrões, insultos e provocações contra símbolos religiosos. Reconhecemos que não se trata de um acontecimento isolado, infelizmente, durante a mesma semana, tivemos Daniela Mercury com o mesmo discurso de senso comum, simplista e arrogante.
Como disse à Continente, o secretário de Cultura de Pernambuco, Marcelino Granja, a liberdade é um território de luta. E haja luta. Ao menos, temos a arte e músicas como Flutua, de Johnny Hooker, um verdadeiro hino à liberdade e ao amor indiscriminado. A madrugada já passava das três e grupos de jovens cantavam em coro, pelas ruas cobertas de neblina, garoa e frio: “Flutuaaaa, flutuaaaa. Ninguém vai poder querer nos dizer como amar”.